
Eu devia ter entre os cinco e os seis anos quando presenciei uma discussão entre minha mãe e meu pai. Eles falavam bem baixinho para que eu e minha irmã não ouvíssemos o motivo daquela conversa longa.
Passados alguns dias minha mãe nos chamou para conversar. Minha irmã e eu ficamos atônitos pensando que tínhamos feito alguma traquinagem, mas minha mãe queria mesmo era nos convidar para irmos ao circo.
Foi um dos momentos mais felizes que vivi na infância. Passei dias imaginando os tigres e os leões ferozes, a força do homem-trovão, o homem mais forte do mundo, a ira da mulher-monstro que assustava a todos. Iria ser uma festa!
Mas nem tudo foi alegria naquela conversa entre mãe e filhos. Ela nos avisou que meu pai e ela não iriam. Que eles nos levariam até a entrada do circo e depois iriam nos buscar quando tudo houvesse terminado.
Ah, como fiquei com os sentimentos abalados, pois queria ver no mesmo dia e lugar a família toda reunida em uma grande festa. Foi difícil acreditar. Depois de algum tempo pude entender o porquê de eles passarem várias noites discutindo. Que vida!
Mas o dia chegou. Era um domingo cheio de sol. O circo era localizado na frente de nossa casa, mas não era fácil chegar lá, pois era necessário atravessar duas pistas de uma rodovia federal para se ter acesso à casa de espetáculos.
Faltando uns 15 minutos para a sessão começar meu pai nos levou. Deu uma moeda a cada um e disse que era para a gente comprar algodão doce ou pipoca. Olhei para os olhos de minha mãe e vi um brilho nebuloso entre a alegria de nos ver indo ao circo e a tristeza de não estar lá conosco. Voltei meu olhar para os olhos do meu pai, mas eles eram furtivos e não deixavam que a gente percebesse que sentimento se passava com papai. E lá fomos nós para a festança.
As apresentações foram muito belas, mas, pela primeira vez, eu vivia um sentimento dúbio entre me jogar no momento de felicidade ou mergulhar na amargura de não ter meus pais perto da gente.
No final da tarde, quando o espetáculo terminou, vi na portaria do circo meu pai me esperando já preocupado. Quando chegamos bem perto, ele nos abraçou e perguntou como fora a sessão. A gente não parava de falar. Ficamos tagarela durante vários dias sobre aquele grande acontecimento na vida da família.
Percebi também que aquele tipo de vivência não era só meu. Muitos vizinhos não puderam ir ao circo. Na entrada havia muitos garotos olhando as pessoas que tinham ingresso entrando no circo. Depois de um tempo comecei a me senti privilegiado de poder entrar em um circo e ter sido tão amado pelos nossos pais a ponto de eles fazerem aquele sacrifício.
Aquilo marcou minha infância. Hoje já adulto, sempre que aparece um circo na cidade, faço questão de ir ver o espetáculo. E toda vez que ouço uns versos de Batatinha, que dizem mais ou menos assim: “Todo mundo vai ao circo – Menos eu…”, vem-me as lembranças daquele momento significativo daquela infância bem vivida.
Até a próxima!
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