Paulo Freire entre a ciência e a filosofia

Paulo Freire entre a ciência e a filosofia
Paulo Freire entre a ciência e a filosofia

Nos 100 anos de nascimento de Paulo Freire, o EPraxe oferece aos leitores reflexões sobre um dos grandes pensadores brasileiros do século XX. Veja mais a seguir.

Paulo Freire não chegou a liderar movimentos de pesquisas em educação ou se apresentou como filósofo da educação. Nas publicações de Paulo, em geral, não há referenciais bibliográficos no final, e os textos do educador possuem um estilo peculiar, como se ele estivesse conversando com o leitor. Assim o quem lê textos de Freire se depara com uma produção intelectual conversacional, com textos em forma de cartas, entrevistas e ensaios. 

Não se encontra em Paulo artigos científicos ou tratados filosóficos, o que pode levar algumas pessoas a não considerar o educador como um intelectual comparável a um filósofo ou cientista. Na verdade Freire foi um intelectual que pensou o mundo a partir da tarefa cotidiana de educação. A obra do autor é permeada de práxis, onde a teoria e a prática são dinamicamente indissociáveis.

E é possível fazer interlocuções entre Paulo Freire e grandes pensadores do século XX. É o que tentaremos trazer para o leitor, de forma breve, nas próximas linhas.

Uma influência marcante em Freire foi a de Noam Chomsky, o linguista. As ideias de Paulo sobre as categorias do tema gerador e das palavras geradoras são oriundas da concepção de Chomsky sobre gramática gerativa. Paulo Freire concebeu a ideia da combinação de signos finitos, para a formação de signos infinitos. É  claro que há problemas nessa concepção de linguagem, que hoje precisaria ser revisitada e melhor discutida. Freire não construiu uma concepção de linguagem do vazio, ele se alicerçava na época em estudos científicos, baseados nas discussões científicas da Linguística dos anos 1960.

Na área de psicologia social, Erich Fromm exerceu influência sobre o educador no que diz respeito às formas de relacionamentos entre educando e educador. Quando a gente lê os textos de Paulo, percebe uma preocupação com a necessária relação amorosa entre os participantes no processo educativo, do cultivo do respeito mútuo entre os interlocutores da situação comunicativa. 

No âmbito da ciência política, Antonio Gramsci é outra influência importante quanto às questões das relações de forças nas interações sociais, tanto em sala de aula, quanto em outras ambiências da vida cotidiana. 

Ao pensar a práxis educacional como processo dialético e dialógico, Paulo Freire resgata o legado de Karl Marx nos aspectos relacionados à concepção dialética de análise da realidade. Aqui  o processo de aprendizagem se fundamenta em uma epistemologia que está entrelaçada no político e no social. 

Já o dialogismo vem das contribuições de Martin Buber quando este aborda o diálogo como alicerce das relações entre o eu e o outro. O ato de educar não pode se restringir a práticas unidirecionais de comunicação, mas precisa ser construído em movimentos que levam em conta a realidade que se elabora em relações escutas e falas, escritas e leituras dentro de um contexto cultural em que educadores e educandos se posicionam como interlocutores da construção discursiva.

Na forma de escrever, Paulo produziu narrativas aproximadas da produção literária, mas que não eram literárias: uma escrita com aproximações com o estilo de ensaios.

Freire pode ser colocado no mesmo patamar de grandes pensadores do século XX. Ele pensou o mundo a partir da leitura de mundo de um educador. Paulo Freire não foi antropólogo, sociólogo, filósofo ou linguista, mas soube buscar em diversas áreas de saber um modo diferente de ver a educação.

Em carta destinada à sobrinha Cristina, Paulo Freire escreveu sobre as interlocuções com as diversas áreas do saber:

Eram leituras necessárias a que chegava na ânsia de compreender melhor o que fazia. Leituras que ora confirmavam o acerto de certo procedimento, ora me ajudavam  retificá-lo. Leituras que também me levavam a outras leituras. No campo das Ciências Sociais, da Linguística,  da Filosofia,  da Teoria do Conhecimento,  da Pedagogia; no campo da História,  no da História Brasileira, no da análise da nossa formação. Paulo Freire, em Cartas a Cristina – reflexões sobre minha vida e minha práxis, p. 173

Quando a gente se debruça de forma mais apurada na escrita de Paulo Freire, percebe que não é possível ler os textos do educador sem antes fazer uma leitura plural em torno do que a humanidade produziu nos âmbitos das ciências e da filosofia. 

Ler Freire é sempre uma aprendizagem.

Até a próxima!




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Publicado por Cleonilton Souza

Educador nas áreas de educação, tecnologias e linguagens.