
Às vezes a gente fica cansado de buscar algo interessante nas plataformas de vídeos alugados na internet. Elas acionam algoritmos que nos acompanham o tempo todo, sugerindo o que devemos assistir e ainda criam filtros e filtros de recomendação, impedindo o acesso a todos os filmes, séries e documentários disponíveis.
Algumas vezes os algoritmos acertam e nos oferecem um vídeo interessante de assistir. Foi o caso da série Elas no singular, que traz oito minidocumentários sobre escritoras da literatura brasileira.
Elas no singular traz uma pluralidade de vozes femininas falando do próprio processo de escrita e do longo caminho que percorreram na mundo da escrita dentro da cultura brasileira
A primeira narrativa foi sobre Conceição Evaristo, escritora negra que abre o século XXI da literatura brasileira como voz insurgente e insubmissa, que se inscreve em um processo de criação literária de “escrevivência”, uma escritura social atravessada de arte e de resgate da relação vital com a ancestralidade.
Hilda Hilst traz para o público a literatura liberta de preconceitos e não tem medo de expressar a obscenidade própria do ser humano. A escritora professa uma preocupação em escrever em transcendência com o outro e não se furta de olhar para a morte como preocupação existencial.
Raquel de Queiroz remonta a uma trajetória de vivência com a seca e com as coisas da nordestinidade. Ela é múltipla: feminina, futebolista, bailarina, jornalista, tradutora e política. Tudo em uma mulher poética e vibrante.
Deixarei que ela mesma se expresse aqui para o leitor entender a multiplicidade e a grandeza dessa escritora: “Saí na frente, num trote largo. Só mais adiante, segurei as rédeas, diminuí o passo do cavalo, para os homens poderem me acompanhar”. Memorial de Maria Moura.
Já Adélia Prado se reveste de luz e se espelha pelo sol. A escrita de Adélia trilha os caminhos dos cotidianos, da vida dos comuns. Ela também traz a pulsação da morte como preocupação de existência. Adélia é energia e vitalidade expressa nas escritas sobre a morte, Deus e o sexo.
Cora Coralina revela os óbices encontrados por uma mulher do interior que buscou ser mulher pensante e criadora. Ela própria diz-se “entre pedra e flores”, como neste fragmento que registramos aqui para o leitor: “Meus caminhos não foram de flores não. Meus caminhos foram de pedras. Não é à toa que nasci numa cidade de pedras.” Sem mais o que dizer.
Nélida Piñon tem uma fala rápida e dilacerante, abriu caminhos, criou fábulas de memórias e atravessou os muros da Academia Brasileira de Letras sem medo das pedras que estavam no caminho.
Lygia Fagundes Telles é uma pensadora simbólico-narrativa, que fala do mundo tentando dizer algo de si e produziu um construto literário de estabelecimento de pontes entre a ficção e a realidade. Lygia é uma arqueóloga das palavras, olhando para o outro, olhando para o mundo.
A série termina com Clarice Lispector e traz leituras dos textos sensíveis e as divagações da autora tentando mostrar o quanto ela mesma vivia no lugar comum. Mas o lugar comum nos deixou muitos textos fora do comum.
E foi assim que a série terminou: nos aproximando mais da literatura e do feminino. Os organizadores estão nos devendo uma continuação com as escritoras que despontam neste início de milênio e que trazem preocupações próprias dos tempos em que vivemos, como libertação coletiva das mulheres, questões de diversidade de gênero, etnias e muito mais do que pode a mulher que produz literatura no Brasil.
Até a próxima!
O que é? Elas no singular {minissérie}
Quando foi? 2018
Quem dirigiu? Fabrizia Pinto
Quais foram os episódios?
- Hilda Hilst: obscena (33 min)
- Conceição Evaristo: insubmissa – escrevivência (32 min)
- Raquel de Queiroz: sob o signo da seca (31 min)
- Adélia Prado: todo dia, o sol (30 min)
- Cora Coralina: entre pedra e flores (33 min)
- Nélida Piñon: fabuladora das memórias (29 min)
- Lygia Fagundes Teles: tentando se dizer (28 min)
- Clarice Lispector: vivo por um fio (33 min)
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Orcid de Cleonilton Souza