
Setembro deste ano é o mês em que Paulo Freire faria 100 anos se estivesse vivo. Fiquei pensando como eu poderia externar o que aprendi com o grande educador brasileiro. Veio então a ideia de escolher um livro do filósofo da educação brasileira como testemunho de leitura que contribuiu para minha formação como educador.
Espero que gostem.
Trabalhei com alfabetização de jovens e adultos de 1994 a 2008 e durante aquele tempo mergulhei na obra de Paulo Freire para conhecer melhor o posicionamento filosófico do educador brasileiro. Na verdade eu desconfiava do que Paulo Freire escrevia e parti para articular o que o autor defendia em termos de ideias sobre a educação cidadã e o que a prática cotidiana me diria.
Quanto mais eu lia Paulo Freire, mais eu voltava para a prática renovado, quanto mais eu lia Paulo Freire, mais eu tinha necessidade de conhecer outros autores das diversas áreas do saber humano. Foi a dimensão da desconfiança que me fez não ter Paulo Freire como dogma, o que me fez buscar competência técnica em áreas como pedagogia, psicologia, sociologia, matemática, linguística, geografia, estatística, história, tecnologia, tudo isto para poder alfabetizar adultos.
E foi a busca da competência técnica, aquela sensação de que eu sempre sabia menos, que eu era um ser incompleto, inconcluso e inacabado, que desenvolveu em mim um compromisso político com a educação, um compromisso político contra todas as formas de desigualdades sociais.
Dos livros produzidos por Freire, o que mais trabalhei na alfabetização de adultos foi A importância do ato de ler em três artigos que se completam. É um livro de escrita breve, mas de muita densidade.
O primeiro elemento que me chamou a atenção foi o artigo A importância do ato de ler (p. 19-31), por ser um texto que discute a questão da aprendizagem de quem se educa, seja educador ou educando, e como o processo de aprender vai se construindo entre a leitura do que está escrito e do que a vida nos proporciona. No artigo aprendi o quanto é vital, no processo de leitura, estabelecer um diálogo com quem produziu a escrita.
O segundo momento do livro que considero marcante é o que trata da questão do ato de estudar, nas páginas 72-76. Ora, o ato de estudar não se restringe ao momento em que a pessoa está na escola, mas se estende a todos tempos e lugares onde interagimos com nós próprios, com as outras pessoas, com o ambiente e com os meios técnicos disponíveis. No início do texto, Freire cria uma ilustração para indicar especificidades necessárias para quem se dedica aos estudos, pensar, planejar, aplicar, viver e avaliar a realidade.
Por fim, há um pensamento que me persegue desde quando tive o primeiro contato com a obra:
Ninguém ignora tudo.
Ninguém sabe tudo.
Todos nós sabemos alguma coisa.
Todos nós ignoramos alguma coisa. (p. 82)
Este pensamento me mobilizou para rever tudo o que eu fazia em educação:
Que estou dizendo aos educandos?
Que estou fazendo quando estou com os educandos?
Que estou dizendo e fazendo quando não estou com os educandos?
Estas são perguntas cruciais que permeiam a minha jornada de educador. Paulo Freire chamava isto de coerência entre a teoria e a prática. No trabalho que faço como educador necessito dessa coerência de que fala Paulo Freire, principalmente quanto à questão do conhecimento, pois sempre há coisas para eu aprender, assim como há experiências pelas quais vivi e que poderão servir para a mediação social na sala de aula.
É este o legado da concepção de Paulo Freire que tanto me afetou profissionalmente. Era preciso comungar com vocês, nos 100 anos de existência de Freire, um pensamento tão singular para a formação da cultura brasileira.
E a práxis pedagógica, do que a gente faz e do que a gente pensa, não é fácil de ser vivenciada, é um desafio, desafio que pude experimentar durante os 12 anos com alfabetização de jovens e adultos, onde tive de aprender no dia a dia o quanto as pessoas sabiam, o quanto eu sabia ou desconhecia.
Obrigado, Paulo Freire pelos seus 100 anos
Até a próxima!
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Orcid de Cleonilton Souza