
Os críticos culturais são pensadores que se incomodam com o que vivenciam no meio social e iniciam um processo de leitura do mundo estabelecido para, quem sabe, promover novos olhares sobre as dinâmicas de poder existentes em uma determinada sociedade.
E ao olhar para a história do pensamento brasileiro, será possível perceber contribuições significativas de afrodescendentes como intelectuais críticos do que estava estabelecido no contexto histórico-social.
Um desses intelectuais preocupados com os processos de formação cultural brasileira, certamente, foi Machado de Assis. Machado de Assis deu o tom da escrita literária brasileira e contribuiu sobremaneira para a produção de cartas e textos para a imprensa da época em que ele viveu, discutindo especificidades do Brasil do século XIX a partir do olhar sobre os costumes da época.
Cabe lembrar que o Bruxo do Cosme Velho, como Machado de Assis ficou conhecido, ainda foi o organizador da Academia Brasileira de Letras, isto sem contar com a própria produção literária que navegou por crônicas, poesias, contos, romances e peças de teatro.
Hoje quando se observa um número tão exíguo de afrodescendentes como participantes da Academia, não devemos esquecer que foi um descendente de africanos que fundou aquela casa. E cabe às gerações presentes e futuras o trabalho de lutar pela maior representatividade de grupamentos não brancos para composição intelectual daquela Casa.
Já Lima Barreto foi um ferrenho crítico social do início do século XX – um intelectual da marginália. O escritor carioca foi cronista, contista, romancista e intelectual de cultura que inaugurou um olhar crítico mais direto e explícito sobre os problemas sociais da época, diferente do olhar machadiano, que era mais sutil, sarcástico e dissimulado.
Para pensar a Semana de Arte Moderna de 1922 e o itinerário percorrido pelo movimento modernista brasileiro, é necessário se debruçar sobre a obra de Mário de Andrade – um intelectual reorganizador e estudioso da cultura brasileira, historiador e mapeador da cultura popular, crítico da literatura, da música e do teatro.
O baiano Muniz Sodré olha a sociedade pelo crivo da comunicação e amplia a presença dos afrodescendentes na história da intelectualidade brasileira no âmbito das relações midiáticas a partir das últimas décadas do século XX.
E Milton Santos? – Crítico das humanidades, crítico das relações transnacionais, um pensador que se preocupou com a política e com a técnica no contexto da globalização na segunda metade do século XX e inscreveu o Brasil no campo da Geografia, ampliando a esfera da crítica sobre o espaço para entendimento da humanidade.
No teatro, Abdias do Nascimento questionou o racismo e promoveu a organização cultural dos negros mediatizados pela arte da representação.
Lélia Gonzalez atuou em duas frentes interseccionadas da cultura: os estudos feministas e os estudos sobre o racismo no Brasil e nas Américas. Ela não ficou submetida intelectualmente aos discursos colonizadores e provocou embates epistemológicos sobre a negritude e o feminismo na perspetiva de uma intelectual de fora do pensamento hegemônico europeu ou estadunidense. Lélia de certa forma retoma os ideários de Lima Barreto quanto ao compromisso político necessário para a formação do intelectual e teve disposição para lutar contra as desigualdades sociais.
Na linha de Lélia Gonzalez, surge Sueli Carneiro, eminente crítica social das questões de gênero e raça. Sueli não quis usar o lugar de fala individual e fundou o Geledés, um veículo de comunicação de resgate das contribuições dos afrodescendentes para a formação da cultura brasileira. Sueli é jornalista de prática cotidiana, foi periodista em jornal em Brasília, onde escreveu artigos sobre questões prementes da sociedade brasileira quanto às dinâmicas relacionais de gênero, raça e classe.
Por fim, é pertinente lembrar Mãe Stella de Oxóssi, escritora de peças literárias e artigos para jornal, líder religiosa e pensadora sobre os entrelaçamentos entre a religião, a economia, a política e a educação dentro da cultura brasileira.
Os críticos culturais, como hoje são chamados esses intelectuais, têm relevante papel nas dinâmicas relações sociais de uma época e podem servir de faróis para novos rumos que uma sociedade pode tomar. Críticos assim podem atuar como arqueólogos sociais e revisitar a história de um povo por meio de escavações histórico-sociais sobre relações assimétricas de poder.
A lista aqui trazida é incompleta, certamente, pois há muitos afrodescendentes hoje escrevendo sobre e analisando criticamente a sociedade brasileira, e precisamos estar atentos para resgatar a importância histórica dessas personalidades que tanto contribuíram e contribuem para a formação da cultura brasileira.
Até a próxima!
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