
Já discutimos a questão do empreendedorismo duas vezes aqui no EPraxe, mas será preciso voltar ao tema novamente.
O empreendedorismo se tornou uma dimensão hegemônica na sociedade. Falar mal do empreendedorismo é pecado, e a solução empreendedora se transformou na fórmula milagrosa de resolver todos os problemas da esfera humana.
As palavras trabalhador e cooperação foram expulsas do vocabulário popular e todo ser vivente tem obrigação de ser um empreendedor.
Outro dia fui a um posto de gasolina e conversava com o frentista, quando ele me informou que iria sair da empresa para trabalhar para ser autônomo, Perguntei sobre o porquê da decisão e ele me respondeu que os amigos dele ganhavam até 5 mil reais por mês como camelô, enquanto ele só recebia um salário mínimo. Argumentei sobre os direitos sociais que ele tinha como empregado, mas ele estava firme no propósito de sair do emprego. No final perguntei a ele como sobreviveria se ficasse mais de um mês doente, na condição de empreendedor. Ele me olhou assustado, mas disse que arriscaria assim mesmo. O momento desta conversa foi uns 15 dias antes do início do isolamento social ocasionado pela pandemia do coronavírus. Se o leitor me perguntar qual o destino do rapaz, não sei responder.
Em uma viagem a Recife me deparei com um empreendedor de carros alugados. Ele usava o próprio carro em prestações de serviços por plataformas digitais e ainda alugava outros dois carros. Perguntei se aquilo era lucrativo e ele respondeu feliz que era o melhor dos mundos. Questionei sobre a precariedade que os serviços de plataforma provocavam, mas ele não via nenhum problema na situação. Perguntei como ele agia quando um dos inquilinos não estava trabalhando por motivo de doença e ele, com um certo ar de irritação, respondeu que fazia parte do negócio. Ficamos em silêncio até o final do percurso. Na saída ele agradeceu com aquela boa técnica comunicacional que os empreendedores desenvolvem.
O que aprendi com as duas experiências é que os homens e as mulheres, que antes se percebiam como trabalhadores e trabalhadoras, se identificam cada vez mais com o empreendedorismo, até mesmo entidades de ajuda a pessoas em situação de vulnerabilidade social incentivam o caminho do empreendedorismo. E mais: os trabalhadores empregados hoje são chamados de colaboradores, uma caricatura do empreendedorismo que detesta relação estável entre empregadores e trabalhadores.
O leitor já percebeu que cada vez mais não encontramos cooperativas?
A ideia de cooperação foi apropriada pelas plataformas digitais, umas intermediárias comerciais, em que o empreendedorismo vem camuflado dentro da ideia de cooperação, mas que no fundo é uma forma de atravessamento econômico para a exploração do trabalhador e beneficiamento das grandes transnacionais do capital.
O empreendedorismo é uma metonímia que hoje é utilizado como se fosse a única saída possível para as pessoas que desejam trabalhar, e precisamos estar atentos a essa ordem do capital.
Até a próxima!
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