
Um dos assuntos que mais tenho dificuldade de conversar é sobre a morte, pois considero isto uma questão um tanto desconhecida pela humanidade e ainda não encontrei explicações plausíveis sobre esse tema tão premente.
Mas a morte não é um assunto estranho à minha existência, pois passei a infância em uma comunidade em que o morrer fazia parte do cotidiano, e os adultos não se intimidavam de falar do assunto na frente das crianças.
Cresci ouvindo histórias de almas peladas, maus espíritos, anjos e demônios. Ao mesmo tempo que morria de medo daquelas histórias, tinha uma grande curiosidade pelo assunto.
Naqueles dias, percebia que as pessoas tinham muito respeito pela morte, o que se refletia nos costumes daquela gente. Por exemplo, se uma pessoa morresse, o cônjuge ficava um bom tempo de luto, usava preto e demonstrava para as outras pessoas um ar de tristeza, de desilusão e abatimento. As crianças iam para a escola de preto ou usavam uma tarja preta na camisa durante meses. O inimigo do morto mudava de postura e passava a ter mais respeito pela família do falecido, salvo algumas exceções, é claro. Se alguém estava com uma doença terminal, a tristeza invadia a casa do doente, e a preocupação com a morte era o que prevalecia.
No dia 2 de novembro, era um silêncio no bairro, e as emissoras de rádio só tocavam músicas instrumentais lacônicas, muito triste mesmo. Da mesma forma acontecia na sexta-feira santa, quando o luto por Jesus Cristo era a diretriz das relações sociais do pessoal que tinha vínculo com a igreja Católica.
Bem, os hábitos não são mais os aqui relatados. Hoje a gente nem lembra mais da morte nos dias santos e já testemunhei muitas situações controversas no caso de falecimento de alguém. Dias desses ocorreu de duas pessoas estarem discutindo, quando uma delas, bastante irritada, começou a debochar de um familiar do desafeto que estava hospitalizado em situação terminal. Na internet, vez por outra, leio textos de pessoas xingando pessoas mortas, irritadas com o que elas fizeram na vida. Pois é, reina o discurso de ódio.
A política mais eficaz para ganhar votos é a necropolítica, ou seja, desejar o mal do adversário até chegar à morte é a nova ordem do dia.
Mesmo sabendo que os rios, os mares e as plantas morrem, cada vez mais cultivamos a destruição do mundo que nos rodeia e nos acolhe. A pulsão de morte se tornou a nova ordem das relações humanas, e o humano se dirige ao mundo com o gesto pulsante da destruição.
Olhando para o advento da pandemia, o culto à morte ronda o viver cotidiano: aglomeração, não uso de máscaras e desrespeito ao distanciamento social são os gestos mais valorizados.
Com tudo isto, é preciso falar sobre a morte, é preciso discuti-la e conhecê-la um pouco mais, afinal de contas, cultuamos a morte todo dia, toda hora e nos furtamos de falar sobre o assunto quando é preciso.
Até a próxima!
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