Elza – a reinvenção do terceiro milênio

Elza – a reinvenção do terceiro milênio

Foi em uma tarde de um sábado em 2002 que vi na banca de revista o encarte Elza Soares – do cóccix ao pescoço. Ora, ora são 20 anos!

No encarte havia um material ilustrado com fotos de pessoas negras e entre elas estava Elza, imponente de óculos escuros, cabelo Black Power, um primor de encarte. O outro material do encarte era um CD.

Ao chegar em casa, passei uma jornada de audição daquele disco, um movimento de aprendizagem musical e política que me atravessava sinalizando que o novo havia chegado ao terceiro milênio.

O primeiro impacto foi com a música Dura na queda, de Chico Buarque, um abre alas do que estava por vir:

“Borboleta bomboleia 

é dura na queda

custa a cair em si

largou família 

bebeu veneno

e vai morrer de ri”.

Logo a seguir surge Dia de festa, a la Jorge Ben Jor, celebrando Iemanjá. Nesse meio tempo aparecem Gil e Caetano, mostrando que os negros daqui e os de lá se parecem com os do Haiti.

Ah, coração! Dor de cotovelo, de Caetano Veloso, é letra que compõe a outra face do amor, a sombra inexplicável do ciúme, que dói no corpo e na alma. E aquele chorinho namorando o samba, o Bambino, de Ernesto Nazareh e José Miguel Wisnik?

Êpa, mudança de ritmo e de tom, Elza clama pelas vozes de Marcelo Yuka, Seu Jorge e Wilson Capellette para denunciar que A carne mais barata do mercado é a carne negra. E o que resta? É Arnaldo Antunes anunciando: “Eu vou ficar aqui“, uma composição melódica híbrida que nos faz lembrar da diversidade de ritmos que a música brasileira comporta. De Arnaldo Antunes, Elza se volta para Carlinhos Brown e se inova ainda mais com Entocopop; é som, é letra, é tudo ao mesmo tempo, agora.

O romance invade o disco e cria giros entorpecentes com Fadas, de Luiz Melodia: ah, que poesia! José Wisnik volta para a roda e traz consigo a parceria de Oswald de Andrade em Flores horizontais. Aqui é poesia de outro nível.

Elza tem voz e composição próprias e dá as mãos a Letícia Sabatella em A cigarra. É para se encantar com os cantos das cigarras encantadoras.

Já em Quebra lá que quebro cá, Elza mistura tudo como uma negra lúcida que é, em uma canção regada a voz e pandeiro. É muita criatividade, moço. A cantora-cigarra segue em passos melódicos ainda mais contagiantes:

“hoje meu coração só pede paz

pra tentar te esquecer eu vou cantar”

O disco segue abrindo caminhos: Bruno Aguiar vem nos lembrar como a tristeza vem muito das desigualdades que produzimos em nossa humanidade desfigurada. Ora, isto é Todo dia.

Por fim, Façamos (Cole Porter, versão de Carlos Rennó), um final que não termina. Voltemos para a primeira faixa do disco. 

Aviso aos navegantes: quem baixar as músicas em plataformas de mídia não terá o privilégio de ler a apresentação do CD feita por José Miguel Wisnik, uma peça rara de comentários. São os limites das novas tecnologias.

Até a próxima!


+Elza Soares

Em Quebra lá que eu quebro cá, Elza faz combinações de cancioneiro popular brasileiro:

  • “Não volto atrás ” (Osvaldo Nunes)
  • “Samba crioula” (Elza Soares)
  • “Salve a Mocidade” (Luiz Reis)
  • “Garota de Ipanema ” (Tom Jobim e Vinícius de Moraes)
  • “Samba bom é assim” (Norival Reis e Hélio Nascimento)
  • “Fechei a porta ” (Sebastião Motta e Ferreira Santos)
  • “O amanhã” (João Sergio)
  • “Juventude transviada” (Luiz Melodia)
  • “Cadê o pandeiro” (Roberto Martins e Walfrido Silva)
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Publicado por Cleonilton Souza

Educador nas áreas de educação, tecnologias e linguagens.