Referências Afro-brasileiras

Referências Afro-brasileiras
Referências Afro-brasileiras

Os movimentos sociais brasileiros em defesa da cultura de influência africana se tornaram mais evidentes a partir do final da década de 1970 e início de 1980, com o surgimento de movimentos negros que buscavam organizar a população afrodescendente em torno da diminuição das desigualdades sociais e raciais. 

Os movimentos negros, como eram denominadas aquelas organizações, surgiram com muita força e traziam para discussão a questão dos negros de forma mais explícita em âmbitos econômicos, políticos, artísticos e depois de gênero. Mas é preciso ressaltar que anterior aos movimentos negros daquela época, havia um fluxo crescente de afrodescendentes que transitavam na vida social brasileira em busca de afirmação de identidade, mesmo que esses afrodescendentes não discutissem de forma aberta e organizada as questões das desigualdades sociais que atingiam  os afrodescendentes no Brasil. 

É sobre esses negros e negras que vou trazer aqui um depoimento a respeito de personalidades afrodescentes que contribuíram para minha formação cidadã. Vamos lá?

Naquela época, período da infância e início da adolescência, pude conhecer minhas origens afros por meio dos muitos artistas que eu acompanhava no rádio e na TV, seja assistindo a entrevistas ou ouvindo música.

Com Tim Maia aprendi que os humanos precisavam lutar para serem sujeitos não assujeitados. A personalidade forte do cantor era uma inspiração para disputa por espaços equânimes no cenário artístico da época.

Martinho da Vila me ensinou o que era um samba alegre e compromissado. Ele simbolizava o cronista do cotidiano da vida das pessoas simples. Ele tinha sempre um sorriso no rosto, mas trazia nas letras a força do batuque que saía da cozinha e se espalhava em todos os cantos do Brasil. Jair Rodrigues era o sorriso solto, a voz pulsante, o desembaraçado a circular pela música popular brasileira. Agnaldo Timóteo me despertou para o lado romântico e sentimental, com ele eu podia me sentir e me emocionar. Todos os anos no dia das mães, ponho o CD de Timóteo e deixo os sentimentos aflorarem sobre mim.

Os Tincoãs fizeram pulsar em mim o sentido de espiritualidade na perspectiva africana. Com eles aprendi que a religião precisa ser trabalhada na totalidade: a gente precisa ser corpo, mente, espírito e sociedade. Wilson Simonal era o contagioso da alegria, da música sincopada. Ele era quem podia tudo com a voz, o mobilizador de multidões.

Paulinho da Viola me mostrou o quão podem ser sofisticados os tons do samba brasileiro em meio a um cantar na simplicidade, na voz baixa e tranquila. Ele me mostrou como os negros podem produzir cultura com tom intimista e soltar as pulsações que se movimentam dentro do ser.

Elza Soares me mobilizou para a luta política como prática cotidiana. Anos mais tarde pude perceber que o planeta Fome enunciado por ela fazia parte do dia a dia da maioria da sociedade brasileira.

Gilberto Gil me iniciou em uma formação cultural sem precedentes. Depois de ouvi-lo eu sempre partia para buscar mais informações e descobrir novas formas de me conectar com o mundo.

Zezé Motta me assustou quando se autodenominou de linda e maravilhosa. Era uma postura diferente. Eu a achava inteligente e perspicaz. Ela falava o que queria, provocava: rodava a baiana com muito humor e determinação. Ficava deslumbrado diante daquele jeito de corpo carregado de arte afrodescendente.

Esses artistas tinham posturas e personalidades bem diversas, mas para mim, uma criança-adolescente, eles significavam possibilidades de expressão afro-brasileira, diante de uma vida envolta de restrições oriundas das desigualdades raciais, econômicas e sociais.

Foi com essa bagagem cultural que entrei na idade adulta na década de 1980, incorporando novas referências em minha formação, como Steve Biko, Martin Luther King, Nelson Mandela, Lima Barreto, João Antônio, Cruz e Souza, Machado de Assis, Sueli Carneiro, Jamelão, Abdias do Nascimento, Clementina de Jesus, Lélia Gonzalez, Conceição Evaristo, Milton Santos e por aí vai…

Os marcos civilizatórios defendidos pelos afrodescendentes no final da década de 1970 e início de 1980, chamados de movimentos negros, foram marcas de continuidade de uma luta secular de resistência da cultura afro-brasileira no Brasil. Eles surgiram para dar continuidade à luta por menos desigualdades entre os seres, e para eu entender toda aquela abordagem política trazida pelos blocos afros de Salvador e pelos movimentos negros espalhados Brasil afora, a convivência com aquelas personalidades afros dos anos 1970 foi fundamental.

Até a próxima!


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Publicado por Cleonilton Souza

Educador nas áreas de educação, tecnologias e linguagens.