Cem anos sem Lima Barreto

Cem anos sem Lima Barreto

Lima Barreto nasceu no mês de promulgação da Lei Áurea, um projeto do Estado brasileiro, que foi propagado nos livros didáticos como uma benesse da sociedade brasileira para a libertação dos escravizados, mas o 13 de maio foi uma data-simulacro, de falsa libertação, e ele morreu em novembro, um mês que significa para os negros brasileiros um marco de luta dos afrodescendentes para a libertação de todos cidadãos pertencentes à nação brasileira.

Vou rememorar nas próximas linhas formas de tratamento a que os descendentes de africanos estão sujeitos nas escolas brasileiras quanto à participação na construção da história brasileira, para que possamos refletir o quanto as práticas cotidianas podem influenciar na construção de uma sociedade.

Em uma aula na graduação em Letras, fiquei surpreendido com o depoimento da professora que declarou que não havia interesse nos cursos de Letras em estudar Lima Barreto, porque o escritor cometia muitas gafes na escrita. Interessante foi notar que quando outros escritores escreviam fora das normas gramaticais, os professores usavam o termo “licença poética” para a situação identificada. Desta forma era bonito ver os professores de Literatura discutirem a famosa licença poética de Carlos Drummond de Andrade no “Tinha uma pedra no meio do caminho”; no caso, o poeta querido de todos leitores havia intencionadamente escrito daquela forma para transgredir as normas gramaticais; para os educadores, o poeta conhecia de tal forma a Língua Portuguesa, que poderia ir além do que a gramática normativa havia prescrevido. Ficava pensando, como as pessoas sabiam das intenções e capacidades de escrita do poeta ao produzir um dos versos mais lindos da Literatura Brasileira?

Voltemos a Lima Barreto. Barreto foi o escritor da marginália durante a vida e após ter morrido. Ele não participou da Semana de Arte Moderna. Nas aulas de Literatura, Lima Barreto era classificado como um escritor pré-moderno, uma adjetivação para  um momento de transição na Literatura Brasileira, uma falta de enquadre para os escritores que antecederam a Semana e não tinham escrita aproximada com os estilos de época do Simbolismo e Parnasianismo.

Nas aulas de Literatura, as análises dos textos dos escritores denominados de pré-modernos eram sempre rasas e rápidas; a gente sentia no semblante do professor de Literatura a vontade de pular aquele assunto e começar a discussão empolgada sobre a Semana de Arte Moderna.

Mas eu tive um encontro diferente com a Literatura Brasileira no meu itinerário de graduação, quando encontrei uma professora bem antenada que nos provocava o tempo todo quanto às contribuições para a cultura literária brasileira de autores como Machado de Assis, Cruz e Souza, Lima Barreto, Mário de Andrade e João Antônio. Esta descoberta abriu caminhos para eu ver a Literatura Brasileira de outro jeito, com outras cores e outros ares.

Em Lima Barreto, que neste mês de novembro completa cem anos de ausência do mundo físico, pude interagir com uma literatura fora da ordem, quando ele contava histórias sobre o pequeno agropecuarista sonhador de um Brasil gigante; as vivências da uma mulher negra no início do século XX; o olhar de uma criança para o 13 de maio de 1888, data histórica repleta de contradições; as peculiaridades dos subúrbios da Rio de Janeiro do início dos anos 1900; o processo de enlouquecimento de um homem negro diante das adversidades sociais próprias de um período pós-escravização oficial.

Foi com Lima Barreto que aprendi a importância da criação artística engajada e do valor do crítico social, que traz outro olhar para o trabalho da práxis literária. Em Lima Barreto a arte e a crítica de literatura eram práticas sociais e exigiam uma postura engajada dos escritores e críticos contra qualquer que fosse o ato de desigualdade social.

Faltou modernidade nos modernistas da Semana de Arte Moderna quanto à não presença de Lima Barreto naquele Evento. Lima Barreto já discutia na época uma proposta de criação e crítica literárias não coloniais. Lima Barreto é um dos primeiros entre os grandes intelectuais da literatura no início do século XX e, mais do que nunca, é preciso reverenciá-lo, estudá-lo com mais profundidade, criticá-lo se for preciso, mas o que não podemos fazer é ocultar as contribuições culturais proporcionadas por este grande pensador brasileiro do século XX.

Até a próxima!


Creative Commons License 
Licença Creative Commons
Leia+



Descubra mais sobre Canal EPraxe

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Publicado por Cleonilton Souza

Educador nas áreas de educação, tecnologias e linguagens.