
Antes de começar o carnaval da Bahia, um conjunto de rituais é realizado até a chegada dos dias de Momo. Não será possível listar todas as atividades culturais possíveis de se fazer entre os meses de dezembro e fevereiro antecedentes às festas carnavalescas, em Salvador, mas é possível registrar impressões sobre três grandes eventos que precedem a maior festa popular da Bahia.
O primeiro dos três acontece na segunda quinta-feira do mês de janeiro: a Lavagem do Bonfim. Para cumprir bem o ritual da festa, é preciso fazer uma caminhada de mais ou menos 16 KM, de ida e volta entre o bairro do Comércio e o do Bonfim na secular capital baiana. Eis aí um ritual de diversidade: há pessoas que vão participar da corrida que acontece todo ano antes da caminhada; outras vão tomar uma cervejinha; há as que são devotas, e o itinerário é todo espiritualidade; há as que vão trabalhar, pois na primeira capital do país, a vida nunca foi fácil para a gente pobre do lugar. Ao chegar à igreja do Bonfim, o caminhante encontra religiosos de origem afro-brasileira em gestos de acolhimento, fazendo bênçãos para os que desejam interagir com as energias transcendentais dos descendentes dos povos do continente africano.
A Lavagem do Bonfim não é somente um evento de festa e culto à felicidade, mas se constitui como um movimento de resistência, resistência contra todas as formas de opressão e de impedimentos sociais, econômicos, artísticos e religiosos, aos quais os negros tiveram de passar ao longo da história do Brasil, a fim de se firmarem como uma das culturas de formação do país. Leitor, busque mais informações sobre isto.
Depois do Bonfim, uma boa pedida é ir à Noite da Beleza Negra, evento organizado pelo bloco afro Ilê Aiyê, cujo propósito é discutir com a sociedade brasileira, por meio da festa, os diversos aspectos da cultura afro-brasileira, tratando com mais ênfase a questão da estética produzida pelo povo negro da Bahia. É imperdível. Quando vou ao evento, evito tirar fotos para não perder nenhum instante daqueles movimentos estéticos tão singulares. As fotos? Estão impregnadas em minha retina, e os sons estão gravados na memória de minha existência.
E para abrir caminhos de paz e confraternização não só para o carnaval, mas também para o ano inteiro, gosto de ir à festa de Iemanjá, outro momento festivo-religioso, em que posso ver aquela gente em adoração transcendental diante do mar, fazendo reverências ao mistério e ao infinito.
A festa de Iemanjá é uma festa também política, de transgressão, pois é lá que o povo negro interage com uma imagem de uma santa branca, cujo especto cultural e religioso tem origem na cultura de origem africana também.
Festas como a do Bonfim e a de Iemanjá conclamam todas as pessoas para o cultivo do ecumenismo, para a trans-religião, uma prática festivo-espiritual que não aparta, mas se preocupa em juntar as pessoas.
Após uma jornada desta, a gente está iniciado em algumas coisas da Bahia e pode ir para a festa de Momo, para carnavalizar, carnavalizar no sentido de subverter as ordens que nos levam para o caos, as desigualdades e o desamor. Carnavalizar imaginando outros mundos possíveis.
Até a próxima!
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