Crise de civilidade, educação e democracia

Crise de civilidade, educação e democracia
Crise de civilidade, educação e democracia

Os atos antidemocráticos pós-eleições brasileiras em 2022 têm ocasionado um incômodo social, sobretudo nas redes digitais, por expor nossos resquícios bárbaros. Mas deixamos um dia de praticar barbaridades? Enquanto no Brasil mais de 30 milhões de pessoas afundam na linha de pobreza, uma outra onda de incivilidade, alicerçada por práticas correntes de xenofobia, atos antidemocráticos contra o processo eleitoral, racismo, discursos de ódio, desinformação e cancelamentos cresce nas ruas e nos espaços digitais após o resultado das eleições.

Os males aqui assinalados não devem ser atribuídos a crises como a da pandemia do coronavírus ou ao processo eleitoral em si, pois os sintomas da incivilidade são de datas bem remotas, que vão das práticas de escravização à destruição das culturas autóctones nos períodos colonial, imperial e republicano. A barbárie no Brasil atravessa diversas esferas, das Entradas e Bandeiras ao desmatamento das florestas tropicais; do assédio no trabalho ao assédio nas eleições.

Na história da humanidade, a incivilidade não ocorreu de forma diferente: do processo de colonização destrutiva, alcançamos as guerras mundiais; do fascismo e do nazismo alcançamos o apartheid, processos históricos esses que tanto mal ocasionaram ao mundo nos últimos séculos.

Mas é preciso lembrar que simultaneamente a esses embates de incivilidade, muitas vozes se lançaram em favor da construção de um mundo mais plural e democrático. No século XX, pensadores como o filósofo alemão Theodor Adorno se pronunciaram contra a incivilidade na perspectiva da construção de uma Educação contra a barbárie, uma educação para emancipação das pessoas, ou seja, desbarbarizar a incivilidade.

Na segunda metade do século XX, o educador Paulo Freire defendeu práticas pedagógicas dialógicas voltadas para a autonomia do cidadão. É necessário ressaltar que a dialogicidade é fundamental para a discussão democrática e para o enfrentamento de práticas sociais como discursos de ódio, desinformação e cancelamentos, pois quando conversamos com o outro, precisamos considerá-lo como um ser pensante e com autonomia suficiente para lidar com as controvérsias sociais próprias de uma sociedade em construção como é a brasileira.

Quanto à democracia, Anísio Teixeira, educador e gestor público, já propunha, na década de 1940, uma educação para democracia e para a justiça social. Para o filósofo, a Educação em si já seria um construto social de democracia e ambas poderiam ser articuladas em benefício de uma convivência respeitosa entre as pessoas.

Frente aos reclames pela incivilidade deste período pós-eleições no Brasil, retomar os ideários de pensadores como Theodor Adorno, Paulo Freire e Anísio Teixeira é fundamental e investir em uma educação contra a barbárie talvez seja nosso maior e mais necessário ato de civilidade.

Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde [impresso], seção Tempo Presente, em 23 de dezembro de 2022

Até a próxima!


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Publicado por Cleonilton Souza

Educador nas áreas de educação, tecnologias e linguagens.