
Uma das obras que mais me impactaram foi Ciclo, disco de Maria Bethânia. Eu tinha uns 20 anos quando me deparei com aquelas músicas, que remexeram bem lá no fundo de minha existência. Na época eu estava mudando de ciclo. Deixei a família e fui viver sozinho a quilômetros de distância das pessoas pelas quais eu nutria muito afeto. E me encontrar com Ciclo me deu oportunidade de lidar melhor com a minha existência e de ressignificar a vida diante do novo que se apresentava.
Já escrevi sobre o disco, mas como em um ciclo, visito a obra novamente e trago para o leitor as impressões dos dias de hoje, em que o disco completa 40 anos de lançado.
Uma viagem em menos de 30 minutos é o que acontece a quem se arvora a ouvir o disco, que foi lançado em julho de 1983 em forma de long play (LP). Ciclo é um disco-filosofia, uma forma de meditação sobre o viver. Assim é o disco que começa com a música Ciclo, que dá título ao LP. Segue com a esfuziante canção Rio de Janeiro, um samba bem carioca de exaltação das coisas brasileiras. Prossegue a jornada musical com Cantar para fazer o sol adormecer, uma canção-poema, de Luís Gonzaga Júnior, e continua ladeira abaixo nos levando à profundidade da convivência amorosa com Ela disse-me assim, uma forma de cantar o amor bem abrasileirada, uma canção de fossa que fala de dor e pecado.
Depois a cantora se dirige ao prazer, com Vinho. Seria o prazer infinito? Com tanto amor em ebulição é preciso convidar a natureza para o deleite de ver a vida sob a forma de Lua, ah, tão bonitinha!
Se o leitor pensou que iniciei o comentário pelo lado A do disco, se enganou: o que até agora escrevi vem mesmo é do lado B. Passemos ao lado A, pois você sabe, o disco é um ciclo que nos permite começá-lo de qualquer ponto da mídia.
No lado A temos Motriz, uma canção alucinante, plástica, que vai nos mostrando o movimento de passear vendo o canavial e sentindo o que o vento faz. E aí surge Filosofia Pura, um jogo de palavras entre o ensinar e o aprender, bem sincopada pelo ritmo do samba do recôncavo baiano.
Mas, quem conhece um pouco de Maria Bethânia, saberá que não há ciclo sem vivência amorosa. E mais uma vez a intérprete volta ao tema em Fogueira, uma daquelas canções que nos consome e nos queima no fundo da alma. E quando o amor morre, e nos aparece em forma de A Notícia? E quando o amor não nos corresponde mais? É muita coisa para ser vivida.
As músicas com Bethânia são um convite às divagações e sonhos, e ela fecha o ciclo deste lado pensando no lado de lá: Anda Luzia, pois eu Sonhei que estava um dia em Portugal.
O disco é uma viagem, entre aberturas e fechamentos de ciclos, pois o ciclo dá-nos a ideia de algo que está se fechando, mas na verdade ele está nos convidando a cultuar o infinito, o inesperado, o novo, o vivencial.
E assim volto ao disco Ciclo, escrevendo sobre a obra quantas vezes forem necessárias, pois em cada audição entro em um divagar bem devagar, revendo a vida, seguindo em frente.
E viva a MPB!
Até a próxima!
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