Todo sujo de graxa

Flor Graxa (Hibisco)
Flor Graxa (Hibisco)

Ainda criança, antes de ir para uma escola de educação formal, aprendi as primeiras coisas da escrita com as professoras que tinham escola dentro de casa. Quando não estava na escola, gostava de ir para a casa da minha avó para brincar com os meus primeiros que lá moravam. Era uma sensação tão boa quando minha mãe anunciava que a gente iria passar o dia na casa de minha avó.

No início minha mãe nos levava até a casa de nossa avó e depois voltava para casa. Mas com o tempo ela foi nos ensinando a atravessar a pista da BR 324 para que aos poucos a gente pudesse ter autonomia de nos locomover. O movimento era assim: ela ia até a pista e atravessava a pista segurando a minha mão e a de minha irmã. Tempos depois, ela ia até a margem da BR com a gente, esperava não vir nenhum carro no horizonte da alta estrada e orientava para que atravessássemos a pista de mãos dadas. Na volta, a gente chegava na frente da BR e ficava esperando ela aparecer na janela para vir nos buscar. Certo dia, de ousados, atravessamos a pista na volta e ela levou o maior susto. Procuramos consolá-la informando que seguimos todas as orientações que ela havia nos ensinado. Naquele tempo a BR 324 era muito vazia, pois pouca gente viajava de carro; nos domingos, era um ermo só. Tudo era solidão naquele asfalto e parecia que todo mundo resolvera descansar no mesmo tempo.

Mas tão gostoso quanto chegar à casa da avó era curtir o caminho que levava nossa casa até o destino, no momento em que a gente passava na frente da Escola Reitor Miguel Calmon, administrada pelo Serviço Social da Indústria (Sesi). No prédio havia uma cerca de grades de ferros resistentes, que dava a impressão de que quem estivesse fora da escola nunca poderia lá entrar. As grades eram ornamentadas de várias plantas, mas a planta que mais chamava atenção era a Graxa. Aquelas folhas verdes que rodeavam flores vermelhas eram muito significativas para mim. Aqueles ornamentos significavam que um dia eu estaria dentro da escola, brincando pelos corredores, jogando bola, correndo no parque. Aquele realmente era o ponto central do passeio, era o sonho de mudar de vida.

Como menino curioso, eu tocava nas flores, tirava umas pétalas e, às vezes, levava algumas para casa. Minha mãe ficava irritada, pois eu chegava em casa todo sujo dos resíduos das graxas e aqueles pozinhos eram difíceis de tirar. Eu nem me importava com as reclamações, o que queria mesmo era me sentir embriagado com o colorido daquelas plantas.

Estudei oito anos no Sesi, fiquei adolescente e fui esquecendo daqueles momentos tão pueris. Segui por outros caminhos, bem distantes da beleza daquela planta maravilhosa.

Anos mais tarde, em um supermercado, deparei com um chá avermelhado, cujo nome era hibisco. Analisei o rótulo e resolvi levar para casa. Tomei o chá e me identifiquei muito com aquele sabor. Passei a pesquisar mais sobre aquela planta e descobri que o  hibisco na verdade era a própria graxa. Aquilo foi uma alegria para mim e uma volta ao passado, ao tempo de liberdade e descoberta das coisas boas da vida. Procurei nas ruas e avenidas perto de casa e não encontrava mais a graxa. No lugar dela a sociedade havia adotado outras plantas para ornamentar as praças e frentes de casas e prédios. Dias desses indo a pé a um supermercado da vizinhança, vi um pé de graxa. Fiquei surpreso com o acontecimento e pus a tirar fotos daquela relíquia.

Quanto ao chá, bebo com frequência, é gostoso mesmo, principalmente quando a gente adiciona um pouco de limão. Dizem que o hibisco tem muitas propriedades nutritivas e que proporciona muitos benefícios para a saúde das pessoas. O que posso testemunhar aqui é somente o sabor e a beleza de uma flor que muitas vezes passa despercebida na vida cotidiana.

Precisava fazer outros registros sobre a graxa, além da fotografia, e resolvi escrever estas memórias para compartilhar com você, leitor. E quem quiser que conte outra.

Até a próxima!


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Publicado por Cleonilton Souza

Educador nas áreas de educação, tecnologias e linguagens.