
Passei a adolescência lendo textos de grandes cronistas do século XX, como Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e o excepcional Rubem Braga.
Com esses autores fui percebendo como era bom viver o cotidiano, perceber-me no aqui e agora, observando as rotinas das pessoas que de alguma forma podiam comungar comigo gestos da cultura brasileira.
Com os escritores cronistas e gente como Machado de Assis, Lima Barreto e Jorge Amado, fui pegando gosto pela leitura e aprendendo a observar o quanto de poético havia na vida das pessoas comuns: era preciso aperfeiçoar o olhar para o que era comum.
Mas minha vida não foi movida só pelos cronistas das letras; também os cronistas das músicas foram influenciando minha existência. Ouvia muito Martinho da Vila com aqueles sambas cadenciados e com aquelas histórias que tinham muita proximidade com o que eu vivia no bairro periférico de Salvador.
Crônicas como Construção, A banda e Geni e o Zepelim, de Chico Buarque, e Procissão e Domingo no Parque, de Gilberto Gil, foram lapidando minha leitura de mundo, fazendo eu descobri novas formas de interagir com a vida.
Um objeto de arte se converte em crônica quando consegue traduzir o cotidiano de forma direta e sofisticada, como é o caso das crônicas-canções expressas por tantos intérpretes brasileiros.
Bezerra da Silva foi um dos cronistas musicais que influenciou a forma de eu ver o mundo dos periféricos e marginalizados. O estilo Bezerra de cantar o cotidiano da periferia era diferenciado. O morro carioca em Bezerra era estado de arte, pois ele sabia ressignificar o modo de viver das pessoas pobres das comunidades do Rio de Janeiro do final do século XX.
Uma obra de Bezerra da Silva cheia de crônicas da vida das pessoas da periferia é o álbum Produto do Morro. Na capa do disco Bezerra aparece sorrindo, saindo de uma caixa de mercadorias, com os dizeres: Produto do Morro. O cronista surge com um pandeiro na mão, sorrindo descontraidamente, rodeado de instrumentos musicais muito usados na composição de samba de partido alto carioca.
Na capa de fundo aparece um desenho de Bezerra da Silva tocando o pandeiro e atrás há outra caixa de produto do morro, com uma diversidade de pessoas representativas da vida na periferia. No vinil há letras sobre religião, homossexualidade, relações amorosas, violência e outras coisas mais. Tudo sincronizado para retratar o viver carioca da época.
É preciso ouvir…
Quanto às crônicas, elas foram penetrando em meu ser pelos olhos e pelos ouvidos, invadindo o corpo, indo direto para o coração, o que foi ótimo para mim, que tive a oportunidade de conhecer as histórias da classe média brasileira da segunda metade do século XX, por meio dos nossos escritores clássicos, assim como a vida dura e criativa dos cidadãos da periferia, por meio de melodiosos sambas de artistas como Bezerra da Silva.
Até a próxima!
Dados do Vinil
O que é? Produto do morro
De quem é? Bezerra da Silva
Quem produziu? RCA VIK
Quando foi lançado? 1983
E as músicas?
Lado A
⚫ Pai véio 171 (Luiz Moreno e Geraldo Gomes)
⚫ Fui obrigado a chorar (1000 tinho, Tião Miranda e Roxinho
⚫ Lei do morro (Ney Silva, Paulinho Corrêa e Trambique)
⚫ Eu não tenho culpa (Joel Silva e Sergio Fernandes
⚫ Nunca vi ninguém dar dois em nada (Caboré, Pinga e Menilson)
⚫ Produto do morro (Eliezer da Ponte e Walter Coragem
Lado B
⚫ Minha sogra parece sapadão
⚫ Todo errado
⚫ É rabo de saia
⚫ O preço da glória
⚫ Vou lhe dar uma colher
⚫ Empregado do mar
- Desafios da educação no século XXIO texto EPraxe desta semana é sobre o artigo “Os avanços do capitalismo (digital) no século XXI e a educação” feito por mim e o professor Nelson Pretto para a Revista Perspectiva. Boa leitura!
- Uma jornada de 27 noitesO texto EPraxe desta semana é sobre o filme argentino 27 noites . Boa leitura!
- Outras histórias sobre o BrasilO texto EPraxe desta semana é sobre a rebelião dos malês no século XIX na Bahia. Boa leitura!
Descubra mais sobre Canal EPraxe
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.