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Artigos, resenhas e crônicas do cotidiano

Nos últimos dias de janeiro de 2023, a mídia brasileira propagou de forma intensa notícias sobre a inteligência artificial ChatGPT, capaz de conversar com os humanos e produzir textos, os quais ficaria difícil identificar quem escreveu a mensagem, se um ente humano ou um objeto técnico. A referida tecnologia foi lançada em novembro de 2022 pela empresa estadunidense OpenAI.
O tom de surpresa sobre o assunto e as iniciativas de curiosidades para testar conversações no sistema de inteligência dão a impressão para a sociedade em geral de que esse tipo de tecnologia surgiu agora e precisamos nos preparar em termos de trabalho, educação, economia e sociabilidade para um mundo que abruptamente se instalou na vida cotidiana. Ora, as soluções tecnológicas de interação linguística produzidas pela referida inteligência artificial vêm sendo testadas e apresentadas para a sociedade há décadas.
Trata-se em linhas gerais do que no meio tecnocientífico se denomina de Processamento de Linguagem Natural, uma área do saber humano que se utiliza de diversos referenciais das ciências para produzir objetos técnicos capazes de estabelecer comunicação via linguagem humana nas interações entre as pessoas e as máquinas.
No dia a dia é possível perceber a presença dessas tecnologias, como, por exemplo, na hora em que o cidadão está escrevendo um documento, e a aplicação corrige simultaneamente o texto nos aspectos de ortografia, regência, colocação e concordância.
Faz algum tempo que existem aplicações que traduzem pequenos textos, com certo apuro técnico, e que não se percebe com tanta facilidade se a tradução foi feita por um humano ou um não humano. Outra situação bem típica são os sistemas de inteligência que leem em voz alta os textos escritos de livros eletrônicos (e-books).
E o que dizer dos sistemas de atendimento eletrônico em sites que tentam compreender o que os humanos desejam em pequenas conversações? Todas essas formas de tecnologias vêm se aprimorando nos últimos 50 anos e são cada vez mais comuns no dia a dia.
E como ficam educadores, comunicadores, advogados e demais profissionais diante dessa situação tão corriqueira? Ficarão cada dia mais surpresos com as novidades e imobilizados diante dessas invenções que influenciam cada vez mais a vida das pessoas? Serão vítimas das circunstâncias?
A sociedade precisa reagir a essas mudanças, propondo novas formas de educar o humano para o mundo presente, cada vez mais mediado pelos diversos aparatos técnicos. Educar a sociedade em um mundo imerso em transformações tecnológicas é um desafio do presente e não do futuro.
Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde [impresso], seção Tempo Presente, Salvador, Bahia, 21 de fevereiro de 2023.
Até a próxima!
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Antes de existir a internet, as conversações a distância eram mais por telefone, mas nem todo mundo podia ter o aparelho em casa e o jeito era usar telefones públicos. E para usar o telefone público a pessoa tinha de comprar um cartão telefônico. Os cartões acompanhavam a gente nas carteiras de documentos e nas bolsas. Antes dos cartões ainda havia as fichas telefônicas, mas não vamos tão longe assim na linha do tempo.
Os cartões vinham com carga única, com uma quantidade de créditos para a pessoa fazer alguns minutos de ligações; após o término da carga, o jeito era comprar outro cartão. Naquele tempo muita gente gostava de colecionar cartões, pois estes traziam ilustrações com temas bem interessantes. As figuras que trago neste post é de um cartão cujo tema era horóscopo, assunto que atiçava o imaginário de muito adolescente, e de adulto também.
Os telefones públicos tinham muita serventia, pois em alguns casos atendiam uma comunidade inteira, tanto para fazer quanto para receber ligação. De certa forma o telefone público potencialmente propiciava um espírito de solidariedade entre os cidadãos, pois quando alguém atendia a ligação em um desses telefones, buscava encontrar o destinatário da ligação, preocupado para que o outro não perdesse a mensagem. Mas não era só de solidariedade que potencialmente os telefones públicos serviam. Muita gente gostava de fazer trote, sem se identificar, ou mesmo fazer ligação a cobrar para economizar com compra de cartão telefônico.
Encontrei o cartão das imagens aqui postadas dentro de um livro que foi lançado em 2001, período já de transição de usos entre telefones fixos e telefones celulares.
Hoje as pessoas quase não usam mais telefones fixos, e os telefones públicos estão quase desaparecidos, uma mudança de cultura técnica. Cada vez mais a telefonia tem se personalizado, e os smartphones são de usos individuais. São os novos tempos!
Fico feliz por ter vivido todos esses tempos: o tempo em que não havia telefone em casa; o tempo em que usei bastante cartão em telefones públicos; o tempo em que adquiri o primeiro telefone fixo; o tempo em que utilizei o primeiro telefone celular; o contentamento de fazer a primeira ligação por vídeo. E por aí vai.
Em cada tempo aqui relatado, as interações com a telefonia se transformavam, e eu me transformava também. O smartphone hoje fica próximo do meu corpo o tempo inteiro, já não é mais desligado, não lembro mais dos números dos telefones das pessoas conhecidas, pois tudo está guardado na memória daquele objeto técnico.
E os cartões de telefone? Ora, eles fazem parte da boa memória, da saudade, da nostalgia.
Até a próxima!
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Antes de começar o carnaval da Bahia, um conjunto de rituais é realizado até a chegada dos dias de Momo. Não será possível listar todas as atividades culturais possíveis de se fazer entre os meses de dezembro e fevereiro antecedentes às festas carnavalescas, em Salvador, mas é possível registrar impressões sobre três grandes eventos que precedem a maior festa popular da Bahia.
O primeiro dos três acontece na segunda quinta-feira do mês de janeiro: a Lavagem do Bonfim. Para cumprir bem o ritual da festa, é preciso fazer uma caminhada de mais ou menos 16 KM, de ida e volta entre o bairro do Comércio e o do Bonfim na secular capital baiana. Eis aí um ritual de diversidade: há pessoas que vão participar da corrida que acontece todo ano antes da caminhada; outras vão tomar uma cervejinha; há as que são devotas, e o itinerário é todo espiritualidade; há as que vão trabalhar, pois na primeira capital do país, a vida nunca foi fácil para a gente pobre do lugar. Ao chegar à igreja do Bonfim, o caminhante encontra religiosos de origem afro-brasileira em gestos de acolhimento, fazendo bênçãos para os que desejam interagir com as energias transcendentais dos descendentes dos povos do continente africano.
A Lavagem do Bonfim não é somente um evento de festa e culto à felicidade, mas se constitui como um movimento de resistência, resistência contra todas as formas de opressão e de impedimentos sociais, econômicos, artísticos e religiosos, aos quais os negros tiveram de passar ao longo da história do Brasil, a fim de se firmarem como uma das culturas de formação do país. Leitor, busque mais informações sobre isto.
Depois do Bonfim, uma boa pedida é ir à Noite da Beleza Negra, evento organizado pelo bloco afro Ilê Aiyê, cujo propósito é discutir com a sociedade brasileira, por meio da festa, os diversos aspectos da cultura afro-brasileira, tratando com mais ênfase a questão da estética produzida pelo povo negro da Bahia. É imperdível. Quando vou ao evento, evito tirar fotos para não perder nenhum instante daqueles movimentos estéticos tão singulares. As fotos? Estão impregnadas em minha retina, e os sons estão gravados na memória de minha existência.
E para abrir caminhos de paz e confraternização não só para o carnaval, mas também para o ano inteiro, gosto de ir à festa de Iemanjá, outro momento festivo-religioso, em que posso ver aquela gente em adoração transcendental diante do mar, fazendo reverências ao mistério e ao infinito.
A festa de Iemanjá é uma festa também política, de transgressão, pois é lá que o povo negro interage com uma imagem de uma santa branca, cujo especto cultural e religioso tem origem na cultura de origem africana também.
Festas como a do Bonfim e a de Iemanjá conclamam todas as pessoas para o cultivo do ecumenismo, para a trans-religião, uma prática festivo-espiritual que não aparta, mas se preocupa em juntar as pessoas.
Após uma jornada desta, a gente está iniciado em algumas coisas da Bahia e pode ir para a festa de Momo, para carnavalizar, carnavalizar no sentido de subverter as ordens que nos levam para o caos, as desigualdades e o desamor. Carnavalizar imaginando outros mundos possíveis.
Até a próxima!
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