
Faz parte do cotidiano a convivência com entes não humanos em muitas das interações que fazemos na Internet, e a corrida de muitas empresas para estarem à frente no mercado faz com que sejam lançados muitos dispositivos de inteligência artificial (IA) para atender os cidadãos, com a esperança de esses artefatos sociotécnicos substituírem de forma total os trabalhadores humanos nas conversações em ambientes digitais.
O primeiro atendimento nas interações comerciais é, na maioria das vezes regido por robôs, seja na hora de fazer compras ou exercer o direito de reclamar de algum produto ou serviço de má qualidade. Às vezes o cidadão passa mais de 10 minutos em uma conversação ilógica com um robô sem conseguir um atendimento efetivo: uma perda de tempo!
Vamos compartilhar uma situação bem típica de atendimentos on-line na Internet, para o leitor compreender melhor esse tipo de questão.
Acessei um site de Internet para resolver um problema com uma empresa e tive de descrever o problema na plataforma de atendimento para um robô atendente. Na primeira tentativa obtive a seguinte resposta:
— Cleonilton, eu ainda não entendo textos longos. Escreva o que você precisa de forma resumida.
O texto continha informações essenciais sobre o problema pelo qual eu estava passando. Diminuir o número de palavras, mas o sistema não tinha um script pré-programado para me atender. Continuei esperando. Passei a usar palavras-chave e nada.
Quando percebi que a inteligência artificial não conseguia compreender o contexto, escrevi uma frase solicitando conversar com uma atendente humana. Foi quando o robô me passou uma grade de opções para continuidade da conversa automática:
— Você quer falar sobre algum desses assuntos? Toque em uma opção abaixo.
Marquei na palavra-chave “cartão pré-pago”, ao qual recebi como resposta:
— O que você quer saber sobre cartão pré-pago?
Perguntei:
Por que o cartão pré-pago foi cancelado?
O sistema não compreendeu e perguntou de novo:
— O que você quer saber sobre cartão pré-pago?
Sem compreender ainda o que eu desejava, a inteligência artificial comunicou novamente:
— Você quer falar sobre algum desses assuntos? Toque em uma opção abaixo.
Apareceu então o item “Chamar atendente”, ao qual utilizei de imediato.
Note o leitor que o dispositivo me fez passar por todo esse jogo de conversação de frases programadas e palavras-chave para enfim me encaminhar para uma atendente humana. A partir deste momento, o nível de compreensão foi rápido e em alguns minutos o problema estava resolvido.
No caso do atendimento acima exemplificado, a IA continha uma base de dados reduzida, que tentava adivinhar o que o cliente-cidadão estava comunicando, mas, ao que parece, não aprendia com os novos vocabulários que o internauta ia trazendo nas conversações realizadas.
Passar por experiências como esta é bem interessante, pois faz a gente perceber que nem tudo que está disponível como tecnologia de ponta é realmente tecnologia funcional, que ajuda na resolução de problemas entre empresas e consumidores.
Isto tudo nos faz pensar algumas coisas sobre essa tal de interação mediada:
A oferta de serviços mediados por robôs ainda deixa bastante a desejar, devido às limitações desses sistemas em estabelecerem conversações verdadeiramente bidirecionais, em que o homem compreende a máquina, e a máquina compreende o homem.
Nas conversações por chats automatizados ainda predominam usos de frases curtas e palavras-chave, o que dificulta a condução de conversações mais complexas por interações mediadas.
É bom lembrar que o sistema de predição, que existe para deduzir o que o cidadão necessita fazer, é limitado também, o que impede o dispositivo de dar continuidade à conversação.
As inteligências artificiais em uso em atendimentos digitais possuem vocabulário reduzido, oriundo de uma base de dados formada de frases pré-construídas e palavras-chave circunscritas ao que foi planejado pelos programadores, o que traz como consequência perda de tempo tanto para as empresas quanto para os cidadãos.
Mais agravante é esses dispositivos não conseguirem dar conta de manter conversações em situações comunicacionais novas, em que o imprevisível impera, como acontece em interações cotidianas entre humanos nas mediações ambientadas no digital.
Qualquer articulação comunicativa que fuja dos scripts contidos nos algoritmos deixa a inteligência artificial confusa, resultando em encaminhamentos a menus de opções limitantes quanto à resolução dos problemas dos clientes.
Por último, os dispositivos utilizados nos portais de comercialização brasileiros não utilizam, ou utilizam de maneira bem rudimentar, o processamento de linguagem natural, que acontece quando a máquina tem dados sobre como a mente humana funciona, o que facilitaria a conversação do vai e vem entre humanos e não humanos: uma conversa espontânea, em um ambiente de trocas linguageiras qualificadas.
Diante dessas circunstâncias surgem alguns questionamentos:
Não seria melhor investir em atendimento humano qualificado, enquanto essas tecnologias ainda não trazem resultados satisfatórios? Com esta pergunta não estou descartando o atendimento por não humanos, mas reivindicando atendimento qualificado, seja por humanos ou por não humanos.
Por que grandes empresas investem em recursos tecnológicos obsoletos ou mal configurados, como se as tecnologias fossem o “estado da arte” em tecnologias da informação e comunicação, em vez de investirem na qualificação de humanos para que estes trabalhem melhor as interações mediadas?
Que tipo de testes de interações mediadas essas empresas estão fazendo para oferecer um serviço de inteligência artificial tão limitado?
Trouxemos as perguntas acima a partir da posição de cidadão-consumidor que sabe quanto tempo é perdido em interações com esses artefatos técnicos.
Até a próxima!




