No período de 27 jul. a 2 ago. 2020 lancei, em mídias sociais, os cartões Sete mulheres impactantes da literatura brasileira sobre personagens femininas da literatura brasileira, levando-se em conta o quanto esses arquétipos do feminino influenciaram a minha formação como pessoa e como profissional. Confesso: não sou mulher, mas carrego muitas mulheres em mim. De outra forma poderia dizer que as mulheres são imanentes à minha construção existencial. É preciso dizer que sempre fui muito próximo das entidades femininas e teria o que escrever sobre muitas outras personagens da nossa literatura, mas para efeito do projeto Sete mulheres, sete personas já seriam suficientes.
Das impactantes ficaram Iracema, do romance Iracema, de José de Alencar; Dona Plácida, do romance Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis; Aurélia, do romance Senhora, de José Alencar; Capitu, do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis; Ismália, do poema Ismália, de Alphonsus de Guimaraens; A cartomante, do conto A cartomante, de Machado de Assis; Macabéa, do romance A hora da estrela, de Clarice Lispector. Impactante assume o sentido de algo vivido e vívido, algo experienciado, um mergulho de corpo e alma no texto lido. Assim, não vá esperar o leitor só impressões prazerosas do experimentado. Os relatos representam uma simbiose de prazer e dor, pois o vivido vai muito além do prazer e da dor.
Mas por que essas personagens foram tão impactantes?
É também pelos discursos que se manifestam as diversas formas de manipulação e manutenção dos poderes. Então para entender as diversificadas relações de forças entre os homens e as mulheres, estudar os discursos também é uma forma de compreender melhor as especificidades das relações assimétricas de poder que se conformam em nossa sociedade.
É o que faz Gayatri Chakravorty Spivak, indiana, professora de literatura e crítica cultural, ao analisar os meandros dos contextos de fala em torno das vozes consideradas subalternas.
Trata-se do livro Pode um subalterno falar? que explicita questões-chave entre discurso e poder e instaura novas perspectivas sobre o poder de fala.
Para tratar da questão, Spivak traça uma discussão consistente em torno de contextos atuais a respeito desse problema social tão necessário de ser estudado e compreendido na atualidade.
A partir de autores como Foucault e Deleuze, Spivak questiona dimensões como controle e política de manipulação e silenciamento do outro, validando alguns conceitos em determinados momentos, criticando em outros, o que cria uma dinâmica diferente na construção discursiva no livro: é uma abertura para a conversação e a polêmica construtiva do diálogo.
A obra é o resultado de pesquisas conduzidas pela autora sobre o universo das falas dos homens e das mulheres que em algum momento são impedidos de se pronunciar.
Pode um subalterno falar? é leitura pertinente para educadores, sociólogos, assistentes sociais, políticos e todos cidadãos e profissionais que precisam lidar com a questão do poder nas relações cotidianas de mediação discursiva.
Para provocar o leitor, deixamos abaixo um trecho do pensamento de Spivak para servir estímulo à leitura-discussão do tema.
“Algumas das críticas mais radicais produzidas pelo Ocidente hoje são os resultados de um desejo interessado em manter o sujeito do Ocidente, ou o Ocidente como Sujeito” p. 25
É ler para discutir, é ler para aprender, é ler para agir.
É provável que as mensagens mais veiculadas na WEB contenham ideias como “Fique em casa”, “Use máscara”, “Lave as mãos”. A pandemia trouxe um conjunto de indicações para proteger a saúde das pessoas, devido à eminência de entrarmos em um estado de catástrofe em termos de saúde coletiva.
Mas o “Fique em casa” provavelmente é o campeão. Nunca se pediu tanto para as pessoas ficarem em casa. Ah, isto é um verdadeiro desafio, principalmente para as pessoas que se acostumaram a ir trabalhar todo dia, gostam de passear em shoppings ou mesmo caminhar em praias e parques. A vida não está nada fácil.
Se a gente pedisse a cada um dos leitores deste blog que contasse uma experiência do ato de ficar em casa, teríamos um conjunto gostoso de contação de histórias que talvez diminuísse um pouco esta nossa ansiedade de estar nesta prisão mental e física.
Mas enquanto os leitores daqui não se arvoram a contarem a própria história do ficar em casa, poderá apreciar os relatos de experiência Feito em casa, uma série que está disponível na plataforma Netflix, que traz 17 relatos de pessoas que tiveram de ficar em casa por causa do coronavírus.
As histórias de Feito em casa navegam entre a ficção e a realidade em narrativas como a da história do drone que bisbilhota a vizinhança e termina por testemunhar situações pitorescas da vida dos outros que também estão em casa. Há também encenações hilárias como o diálogo entre o papa e a rainha, que de maneira sutil discute as solidões que já existiam muito antes da pandemia.
Em outros momentos podemos assistir a narrativas modernas de conversações em chats digitais bem típicas do mundo atual. Quer mais: há atores-mirins ensinando muita gente grande a fazer monólogos, há relatos de convivência familiar ou de gente que sai de bicicleta perscrutando o que acontece quando as cidades estão vazias.
Feito em casa é um conjunto de textos ficcionais entrelaçados com documentários, que vão dos quatro aos 11 minutos, em vídeos gostosos de se assistir. A ideia foi muito boa, pois o espectador pode assistir a todos os vídeos de uma vez (são 101 minutos no total de duração da série) ou de forma mais lenta, devagar, divagando sobre cada questão trazida em cada história.
Os vídeos conseguem chamar a atenção por mexerem com questões fundamentais aos cidadãos confinados na era da pandemia, tendo o isolamento como desafio de sobrevivência. Aborda também a rotina do tudo sempre igual, em que nada muda, tendo a mudança como a próxima rotina que chegará.
Nas histórias há sorrisos, choros, lamentos, alegrias e tristezas: um convite à reflexão sobre as vivências de quem perdeu o costume do isolamento e da solidão.
Em uma das narrativas, houve espaço para o personagem confessar-se “em situação de privilégio”, apesar do vírus. Coisa que às vezes a gente esquece quando se ver confinado e só. Afinal de contas a pandemia é muito dura com os que estão em casa e mais perversa ainda com os sem lugar para morar.
A ideia foi tão boa que seria possível sugerir um novo conjunto de vídeos. Desta vez contando as histórias das pessoas que precisam sair de casa por força do trabalho. Há espaço também para abordar as histórias dos que se viram sem casa – sem ter lugar onde morar – tendo de lutar contra forças tão tenebrosas iniciadas pela doença e reforçadas pelas desigualdades sociais.
Uma última informação: muitas narrativas do conjunto de vídeos foram feitas com recursos audiovisuais bem básicos, daqueles equipamentos caseiros que a gente usa no dia a dia.
E aí, Leitor, que tal tentar contar sua história durante o período da pandemia Covid-19?