A desproteção social sobre os fazedores de arte

Lei Aldir Blanc

Foram mais de 100 dias de pandemia no Brasil para que o Estado tomasse providências em favor da classe dos trabalhadores da área artístico-cultural, que já estão desde março de 2020 em vivendo em estado de desproteção social. Quanto mais o tempo passa mais se agrava a situação econômico-financeira desse contingente de profissionais.

Finalmente em 29 de junho de 2020, a lei 14.017 foi promulgada, que tem como objetivo prover ações emergenciais destinadas ao setor de cultura do país. A lei foi batizada com o nome de um dos nossos grandes compositores da música popular brasileira: Aldir Blanc. Que bom!

Os profissionais de cultura representam um contingente significativo de trabalhadores brasileiros, formado por artistas, contadores de história, produtores culturais, técnicos de diversas atividades, curadores, oficineiros das escolas de artes e capoeira. A lista não é pequena.

Pelo tempo de demora parece que esses trabalhadores não têm cidadania. Fica a pergunta: como essas pessoas sobreviveram do mês de março a junho de 2020?

Mas direitos não aparecem em bandeja para ninguém. Antes, sim, têm de ser conquistados. E foi o que fez a classe de trabalhadores culturais que buscaram sensibilizar a sociedade da importância desse grupamento social relevante para a economia, para a saúde e para o lazer dos cidadãos.

Pela lei, o governo federal vai distribuir aos estados, municípios e distrito federal a quantia de 3 bilhões de reais, para que sejam investidos durante o exercício de 2020 em benefícios desses profissionais. A lei vigorará enquanto o estado de calamidade pública ocasionado pelo coronavírus persistir.

Para os autônomos, a política social será distribuída em três parcelas sucessivas de R$ 600,00, a partir de julho de 2020. Serão também beneficiados os espaços culturais e artísticos, as microempresas e pequenas empresas culturais, as organizações culturais comunitárias, cooperativas e as instituições culturais com atividades interrompidas. No dispositivo legal estão estabelecidas as condicionantes de uso do direito.

Mais informações podem ser encontradas no site do Governo Federal.

Se os grandes empreendimentos artísticos tiveram a opção de investir em lives, os pequenos projetos culturais ficaram em situação de vulnerabilidade social, pois faltam recursos para dar conta das necessidades básicas inerentes a todo e qualquer cidadão.

Percebe-se que a pandemia do coronavírus mexeu em todas as áreas da convivência humana.


Até a próxima!

Pensando com Clarice Lispector


Até a próxima!

Leia+
#EducarNaPraxe
#CulturaNaPraxe


Para cultivar o gênero Entrevistas

Revista Cult - 20 anos - melhores entrevistas
Revista Cult – 20 anos – melhores entrevistas

Passei três anos lendo o livro Cult 20 anos – melhores entrevistas! O leitor vai estranhar. Por que passar três anos lendo um livro? 

A gente explica

Um dos gêneros discursivos de que mais gosto é o de entrevistas. Acho gostoso conhecer o que os outros pensam, como agem, de que forma interviram no mundo e outras coisas mais. E a entrevista, quando bem construída, é uma formidável maneira de fazer a gente conhecer mais a produção intelectual ou artística de alguém.

Uma coisa é ler uma entrevista, outra é ler 30 entrevistas com pensamentos e sensibilidades de homens e mulheres tão diversos.

A cada entrevista era necessário, pesquisar alguma coisa, reler partes de alguma obra do entrevistado, assistir a um filme, ouvir uma música: um verdadeiro esforço intelectual e sensitivo; por sinal muito prazeroso.

O leitor bem sabe que aqui não fazemos apreciações longas sobre as obras, somente despertamos o gosto pela leitura, por isto comentaremos só alguns pontos do livro.

Comecei a leitura por Noam Chomsky, pois conhecia o intelectual do tempo de faculdade e as minhas impressões sobre ele giraram em torno da imagem do pesquisador restrito à área da linguagem. Mas fiquei impressionado com a mudança de rumo tomada por Chomsky. O vigor intelectual do linguista para falar de política e questões sociais é ímpar. Noam Chomsky saiu da zona de conforto e arvorou discutir outras coisas além das circunscritas às ciências da linguagem. Ponto para ele.

Já Claude Lévi-Strauss nos dá uma lição sobre brasilidade mostrando o poder das pesquisas etnográficas.

Zygmunt Bauman traz na fala duas metáforas interessantes: a questão do caçador e a do jardineiro. Pois é, eu ainda não tinha pensado daquela forma. Que metáforas são essas? Ah, leia o livro!

Lars Von Trier fez uma entrevista breve, mas não perdeu a profundidade. Saramago teve de se alongar um pouco mais, para nos presentear com um verdadeiro ensaio de crítica literária. Muito bons!.

Ah, as mulheres! 

Rita Kehl é provocadora e subverte o olhar psicanalítico ao falar das coisas da nossa vida cotidiana. Reli a entrevista da Marilena Chaui: foi uma renovação do espírito (político). Lygia Fagundes Telles fala de literatura como uma avó que nos conta uma história de ninar. Para abordar coisas difíceis nem sempre é necessário utilizar palavras duras.

E assim o livro foi se apropriando do meu espírito e me provocando a pensar mais. A leitura não precisava ser rápida e alucinante, pois era necessário usufruir do tempo como o mito de Kairós. 

Como não será possível comentar todas as 30 entrevistas, fizemos o quadro abaixo com os nomes de todos os entrevistados e dos entrevistadores. Estes, pela sabedoria da escuta, souberam fazer florescer 30 reflexões substantivas da intelectualidade de uma época.

Cult - Entrevistados e Entrevistadores
Cult – Entrevistados e Entrevistadores

Lembre: neste mês de julho a revista Cult completa 23 anos de existência. Viva a Cult!


Leia+

{Cultura}  {Tecnologia} {Trabalho}

{Educação} {Comunicação}  {Cinema}


Pensando com Millôr Fernandes

Pensando com Millôr Fernandes
Pensando com Millôr Fernandes

Leia+

{Cultura}  {Tecnologia} {Trabalho}

{Educação} {Comunicação}  {Cinema}


Lives – um modelo de negócio

Live – um modelo de negócios – Direitos EPraxe

Com o advento da pandemia, muita gente foi apanhada de surpresa quanto a uma crise que chegava sem dar sinais de quando vai terminar. Mas os gerenciadores da área de entretenimento souberam reagir e, no campo da música, surgiu uma profusão de shows transmitidos ao vivo.

As lives surgiram, como tudo que é lançado pela internet, como se fosse um sistema de negócios acessível a todos intervenientes da música, mas não é bem isto que ocorre, porque os pequenos coletivos de artistas não conseguem se lançar com a mesma amplitude que os grandes empresários do entretenimento.

A transmissão ao vivo para multidões demanda recursos técnicos que vão além daqueles oferecidos pelos computadores de mesa caseiros e câmeras de celulares medianos. 

Para transmissões de maior alcance é necessário utilizar o recurso de transmissão por codificador, que permitirá o compartilhamento do evento utilizando recursos sofisticados de áudio e de vídeo, facilitando o gerenciamento de vários equipamentos ao mesmo tempo como câmeras, microfones, jogos de luzes etc.  

Já se percebe que as produções caseiras para transmissão ao vivo ficam distantes de alcançar o grande público, pois em transmissões de alto nível é possível aferir on-line a qualidade do vídeo e do áudio em transmissão, verificar o nível de trânsito de dados na rede, bem como atenuar problemas concernentes a ruídos ou interferências que porventura venham a acontecer.

Cabe ressaltar que as grandes plataformas de transmissão de vídeo criam cada vez mais restrições para usos de lives. Por exemplo, para uma transmissão ao vivo no YouTube, é necessário ter, pelo menos, mil inscritos no canal da TV WEB da plataforma, além de ser necessário ter, pelo menos, 4 mil horas de conteúdo visualizado nos últimos 12 meses de existência do canal.

É aqui que entram os grandes empresários do entretenimento que aproximam os artistas das grandes empresas de marketing digital e dos grandes patrocinadores, para construir uma rede de comunicação que envolve merchandising e publicidade direta, o que favorece mais a visibilidade do artista pelo grande público.

Ao acompanhar algumas transmissões ao vivo, observamos que há uma informação publicitária que se apresenta sobre a tela de apresentação do show, ocupando em torno de 30% do monitor. Vide a figura abaixo com uma demarcação feita em uma dessas apresentações. No caso, as áreas demarcadas com tarjas pretas correspondem aos pontos de exibição de anúncios comerciais.

Área utilizada pelos anúncios publicitários

Na TV tradicional, por exemplo, boa parte dos anúncios é apresentada durante o intervalo. Nas lives os anúncios se perpetuam durante todo o show, deixando a área de visualização de apresentação diminuta devido ao número de anunciantes. 

Além das áreas ocupadas por anúncios na tela de apresentação, ainda há diferentes objetos espalhados no cenário, com indicadores dos produtos que deverão ser consumidos pelo espectador.

Quando a transmissão detém um número significativo de espectadores, a organização da live é remunerada pelo número de pessoas assistindo. Por causa desta possibilidade de ganhar dinheiro com o número de pessoas assistindo em uma quantidade mínima de horas, as lives passaram a ser transmitidas em períodos acima de quatro horas, sendo que algumas chegam a ter quase 12 horas de transmissão.

A live é um modelo de negócio que tem regras próprias de produção, exposição e consumo, exigindo de quem vai atuar competências específicas para gerir o processo do negócio, o que distancia mais aqueles artistas que têm uma ideia na cabeça de transmissão, mas não têm os recursos técnicos e financeiros necessários para realizar o intento.

Percebam que não aludimos aqui às iniciativas de contribuições feitas para ajudar pessoas necessitadas, que foram diretamente afetadas pela pandemia. Este seria assunto para uma outra postagem.

Apesar de o processo de transmissão ao vivo pela internet não ser novo, ainda temos muito o que aprender com as lives que se multiplicam durante a crise do coronavírus. Aprender porque somos cidadãos e consumidores ao mesmo tempo e precisamos melhor entender quais são as consequências desse novo estado de relações comerciais para a nossa vida cotidiana.

Diversão importa. Informação, também.

Leia+

{Cultura}  {Tecnologia} {Trabalho}

{Educação} {Comunicação}  {Cinema}

#EducarNaPraxe 


A informação em desordem

A informação em desordem
A informação em desordem

A gente se acostumou a utilizar o termo fake news para tudo quanto é situação, seja para mensagem que contenha sátira ou paródia, para texto de manipulação, propaganda e até para notícias falsas.

Os sites de informação brasileiros estão cheios de postagens com o termo fake news, o que fez a palavra ter uso comum na vida cotidiana do brasileiro.

Claire Wardle, uma estudiosa da comunicação advinda da universidade da Pensilvânia, contesta a utilização do termo fake news e propõe a utilização da terminologia Desordem da Informação. 

Para a pesquisadora, a palavra fake news produz significação dúbia, pois pode ser utilizada tanto para indicar notícias falsas e fraudulentas, quanto para designar qualquer mensagem que um interlocutor não goste ou não concorde. 


Wardle concebe desordem da informação como um fenômeno social provocado por grande escala de dados disseminados na WEB, que resultam em poluição de informação, o que prejudica as relações sociais na Internet. 

Para a pesquisadora muito dessa poluição provoca a contaminação dos conteúdos, que são transmitidos de forma parcial ou são alterados e adulterados, originando relações sociais e políticas desagregadores e depreciativas.

Ainda Claire Wardle ressalta que o fenômeno da desordem da informação se produz por meio de rápida circulação de conteúdos, em crescimento exponencial, em fluxos rápidos e voláteis, que dificultam a identificação das fontes de emissão das mensagens e o alcance destas no ciberespaço. Desta forma, o fluxo informacional de criação, produção (transformação em mídia digital) e compartilhamento de conteúdos fica prejudicado. 

Junte-se a tudo isto, a construção de estilos de mensagens que acionam as emoções das pessoas, provocando cegueiras momentâneas ou duradouras, dependendo das circunstâncias comunicacionais. É o mundo da Pós-Verdade, outro fenômeno social que permeia nossas relações sociais.

O interessante é que a desordem da informação é veiculada por agentes que podem ser humanos, robôs ou ciborgues. Os humanos podem estar travestidos por personalidades outras que não a do verdadeiro criador/divulgador da mensagem; os robôs se passam, geralmente, por seres humanos, o que dá mais credibilidade às mensagens veiculadas. Já ciborgues, humanos e robôs em atuação, são emissores complexos, pois podem produzir amplificação artificializada das mensagens e simular a presença de um humano em um relacionamento mais pessoalizado, forjando uma dinâmica discursiva que mais parece que há uma pessoa conversando com outra pessoa. 

O difícil é o cidadão comum identificar quando está mediando situações comunicativas com robôs, ciborgues ou humanos. Daí a necessidade de se pensar formas de educar as pessoas para lidar com a desordem da informação.

Claire Wardle ainda apresenta três dimensões da desordem da informação, quais sejam: a desinformação, que seria uma informação falsa que é criada/compartilhada, de forma deliberada, para enganar e trazer prejuízo ao interlocutor; a mal-informação, que é uma informação verdadeira utilizada para causar danos a outrem; a informação incorreta, que é compartilhada sem a intenção de prejudicar outras pessoas. Pelas reflexões de Wardle, é possível perceber o quão complexo é lidar com a desordem da informação na atualidade. 

Caso você se interesse em aprofundar o assunto, visite o site First Draf, que é gerenciado por Wardle e descubra o quanto este assunto é palpitante.

Leia+

{Cultura}  {Tecnologia} {Trabalho}

{Educação} {Comunicação}  {Cinema}

#EducarNaPraxe