As mentiras que o mundo conta

Quando eu era criança havia dois quadros interessantes lá em casa. O primeiro era de uma mulher sobre as águas, com um vestido azul. Ela tinha cabelos longos e muito lisos. Certa vez perguntei a minha mãe sobre quem era aquela pessoa, e ela disse que era Iemanjá. Primeiro de Abril: como Iemanjá tinha cabelos lisos?
O segundo quadro era uma figura de Jesus Cristo. Na imagem ele tinha cabelos longos e lisos, olhos claros, barba bem feita e vestia uma roupa toda branca. Havia no fundo do quadro um sombreado da cor do céu . Outra inverdade; afinal de contas Jesus era de origem oriental e não teria aquelas feições.
E assim minha vida foi se enchendo de primeiros de abril. No cinema, os vietnamitas e os índios eram seres perversos, que só pensavam em destruir e conquistar…
Hoje fico receoso de ler as recomendações das pessoas que mantenho vínculo nas redes sociais, pois pode ser um Fake News, uma invenção para desmoralizar outra pessoa.
Isto tudo me reporta a um texto do poeta Carlos Drummond de Andrade sobre a vida de uma personagem que fora presa, acusada de um crime; a pessoa se dizia inocente, mas as repetições da criminalidade impostas a ela foram tantas, que, depois de um tempo, o próprio protagonista se acusava do referido crime.
A falta de fidelidade com a verdade se transformou em senso comum: as pessoas se apropriam das mentiras, caçam históricos da vida alheia e distorcem tudo para obter ganhos nas disputas argumentativas.
Lá se foram a conversação e o diálogo, o que prevalece são as polêmicas e os antagonismos, tudo muito bem costurado como uma bonita colcha de retalhos  de mentiras.
Olho o calendário festivo e lembro dos tempos em que eu brincava de mentira no 1º de abril. Todos riam, pois, após um tempo, sabiam que as situações que eu criara eram mentira.
Agora o 1º de abril perdeu o status do dia da Mentira, afinal de contas mentir virou prática cotidiana. Mentimos sem remorso e sem pudor.
Veio uma vontade de fazer uma campanha para o dia da verdade. É claro que nesse dia as pessoas poderiam omitir alguma verdade, mas todos teriam a responsabilidade de dizer, pelo menos, uma verdade no primeiro dia de abril.
E bem que poderiam ser verdades que fizessem os outros rirem de si próprios e se sensibilizarem com os problemas alheios.
Até a próxima!

Os Implícitos de The Blacklist

Quem assiste a The Blacklist (série televisiva) fica envolvido com uma trama policial  cheia de atrativos. Primeiro: há um criminoso (Raymond Reddington) inteligente e sedutor que entrega ao FBI um lista dos principais criminosos do país em troca de imunidade criminal; segundo: há uma policial jovem e atraente (Elizabeth Keen), que serve de motivo para contracenar com o astuto criminoso.

Chamei Reddington de criminoso, mas a história é tão bem construída, que a gente esquece que Red seja um personagem fora da lei.

Para se entregar Red faz ao FBI uma exigência, que Elizabeth trabalhe com ele na procura dos referidos criminosos. Assim é criada uma força-tarefa com a companhia de Reddington para ir à caça dos bandidos mais procurados dos Estados Unidos.

Até aqui está formada a superfície da história: entretimento, fortes emoções e muita ação que atrai a atenção dos espectadores e mobiliza múltiplas sensações como toda boa série policial.

Mas onde está o implícito disto tudo?

A superfície da série é a própria trama policial, mas a narrativa mostra de forma subliminar o jogo político das negociações judiciais feitas pelo poder público e o crime organizado. Na história, a polícia estadunidense aparece como uma instituição regada a negociações criminosas para conseguir prender bandidos que eles consideram perigosos para a nação.

E quais as consequências disto?

Na história os policiais possuem competências ímpares, quando o assunto é invadir os espaços para prender os fora da lei, porém possuem baixo poder de negociação com o crime organizado e dependem das ações de Robert para resolver a maioria dos problemas.

Red é o mentor e articulador de todas as ações da força-tarefa. Para alguns isto seria a normalidade da história, mas quando a gente se aprofunda nas questões da negociação política, observa como o poder público, na narrativa, é impotente para resolver os problemas do Estado e buscam recorrentemente a acordos, que levam a nação a perdas financeiras e imobilismo quanto à atuação pertinente na defesa dos interesses sociais de uma comunidade.

O leitor poderá assistir à série e não ter esta mesma percepção e ficar no campo da trama bem organizada das narrativas policiais.

No entanto poderá também fazer ligações da história com outras histórias da vida cotidiana e construir análises das implicações dos negócios realizados entre o poder público e as organizações criminosas.

Vamos pegar pipoca, sentar em frente da TV e se deliciar com as histórias que nos contam. Mas vamos, vez ou outra, mudar a posição em que estamos sentados para obter outras percepções sobre o que estamos assistindo.

Até a próxima!

A que assisti? The Blacklist
Quando a série começou? 2013
Onde assisti? Plataforma Netflix
Quem produziu? Jon Bokenkamp, John Eisendrath, John Davis e John Fox
O que achei? Bom

Até a próxima!

Feminicídio

Notas nos jornais:

Ele me bateu com marreta
Até minha cabeça não aguentar mais!

Sinto culpa em tudo que faço
E nas mãos daquele rapaz não me satisfaço

Eles me espancaram sem parar
Diziam que se eu queria ser homem
Como homem teria de apanhar

Ela vestiu a máscara masculina
Para me bater por ciúmes de outra menina
Apanhei da cabeça aos pés
Fiquei perdida sem acolhimento e sem mulher

Os meninos se debruçaram sobre a menina
Era um, eram dois, eram três
Eram quatro, eram cinco, eram seis
Eram tantas extravagâncias
Que ela morreu sem esperança

Ele esbofeteou a esposa no primeiro dia
Ele espancou a esposa no segundo dia
Não houve ressureição no terceiro dia

Ela apanhava todo dia
Parecia canção de Melodia
Incomum era o povo que nada fazia

Ele não respeitou a distância mínima
Hoje, entre as sombras, minha alma vaga perdida
Mas todo este medo não vai tirar de mim a identidade feminina

Didática da Prática

Imagem da capa do livro Didática do ensino corporativo

A gente está acostumado a ler livros e fazer comentários de obras, que já são conhecidos no mercado. Resultado: a gente acaba compartilhando mais obras de autores que já têm posição destacada no mercado, relegando os pequenos autores, e os iniciantes, a posições de sombra na  cena editorial brasileira.
Com isto perdemos ensaístas de qualidade, poetas, romancistas, contistas, pesquisadores, que, por um motivo ou outro, não conseguiram se vincular aos grandes gestores da mídia impressa.
O Livro
Liduína Xavier e Cacilda Calado resolveram se sobrepor às ideias trazidas nos parágrafos anteriores e, como Dom Quixote e Sancho Pança, lançaram um livro na área educacional: Didática do Ensino Corporativo – Elementos – O ensino nas organizações. Elas não querem ficar na sombra e estão dispostas a compartilhar o que sabem.
Essas educadoras quixotescas saíram para campo, discutiram, escreveram, correram atrás de editores,  lançaram a obra e partiram para a venda de porta em porta. Estou aqui imaginando a dupla de Cervantes observando lá de cima e dizendo um ao outro que a jornada que eles fizeram rendeu frutos.
O livro traz fundamentos da educação praticada dentro das empresas. Primeiro as autoras navegam em suportes teóricos, dialogando um pouco sobre epistemologia e didática, depois trazem elementos didáticos que sustentam a prática de ensino, até chegar à educação corporativa.
As Autoras
A obra é fruto do dia a dia das autoras como educadoras corporativas, que atuam como selecionadoras de educadores, formadoras didáticas, planejadoras de ensino-aprendizagem e produtoras de textos educacionais.
Cacilda Calado é consultora de educação corporativa e dedicou boa parte da vida profissional ao desenvolvimento de soluções educacionais para áreas como auditoria, administração de empresas, além de educação, é claro.
Liduína Xavier é uma educadora plural, pois trabalha com consultoria educacional na formação de pessoas nas empresas e ainda escreve no Blog do Triunfo. Acha pouco: ela também participou de escrita de documento sobre história da educação corporativa de uma  empresa brasileira secular com atuação no âmbito internacional.

Cacilda
Lidu
De volta ao livro
Didática do Ensino Corporativo serve com motriz para incentivar outros autores a expressarem no papel a própria experiência profissional e assim compartilhar o que sabem com outros trabalhadores.
O livro, apesar de ter abordagem teórica, traz nas entrelinhas o que as educadoras aprenderam com as interlocuções com os educandos nas práticas cotidianas.
O que esperar de uma segunda edição do livro? a educação a distância tem se expandido nos últimos 20 anos dentro das organizações e  (quem sabe?) elas não poderiam apreciar os pontos relevantes e controversos desta modalidade de educação.
E você, leitor? Leia o texto também e escreva para elas.
E vivam os novos autores!
O que li? Didática do Ensino Corporativo – Elementos – O ensino nas organizações
Quem são as autoras? Liduína Benigno Xavier e Cacilda de Araújo Calado
Quando foi lançado? 2014
Qual a editora? Líber
Até a próxima!

Caixa de Engraxate


A caminhada

Era mais uma daquelas caminhadas matinais, quando vi no canto do jardim, na praça, uma caixa de engraxate.

Engraxates eram trabalhadores que lustravam sapatos. Eles eram parecidos com artesãos e deixavam os calçados de couro mais brilhantes e bonitos. Também a maioria deles era formada por profissionais autônomos, que empunhavam uma caixa nas costas e ia oferecendo os serviços aos cidadãos que passavam. Alguns profissionais tinham um certo status e possuíam uma cadeira feita exclusivamente para o serviço de engraxe.

Aquela caminhada me trouxe um sentimento de nostalgia e me pus a pensar sobre como mutantes são as profissões.

Mutações no Trabalho

Lembro que meu pai era alfaiate e costurava para muitas pessoas que desejam ter uma calça exclusiva. Com o tempo ele foi deixando a atividade, pois muitos clientes já não queriam mais exclusividade; o negócio da vez eram as roupas industrializadas. Com as mudanças, do ofício de alfaiate ele só fazia as calças dos filhos para estes usarem na escola.

Hoje já não se usa o termo alfaiate; as pessoas que costuram são chamadas de costureiras, e o fruto do trabalho de alguns é chamado de alta costura.

Já não se ouve mais falar em engraxates também. Em alguns hotéis ainda se acham máquinas de engraxar que ficam na portaria à disposição dos hóspedes. Em algumas repartições públicas há engraxates exclusivos para os funcionários lustrarem os sapatos (que luxo!).

Outra atividade que sofreu mudanças significativas foi a de cozinheiro. Opa! Desculpe os profissionais da área. Agora chamamos de Chef. A preparação da comida saiu da cozinha doméstica e foi parar nos estúdios de TV. Os chefs adotaram o marketing como competência de trabalho, assim como os costureiros, e vivem em disputas nos programas de apresentações televisivas.

Lembram do datilógrafo? Na década de 1980 os bons datilógrafos dominavam os escritórios. A onda das tecnologias da informação e comunicação (TIC) chegou, e os profissionais das máquinas de escrever deram lugar aos digitadores. Estes tiveram vida curta, cerca de 30 anos, e foram substituídos pelos profissionais dos sistemas “Office” e por tecnologias que capturam textos de material impresso e transformam vozes em documentos escritos eletrônicos. Globalizou.

Até medicina, engenharia e direito tiveram partes das atividades absorvidas por (TIC). Muitos médicos só conseguem apresentar diagnóstico depois da validação tecnológica; cálculos e cálculos são realizados por computadores de ponta; processos jurídicos são mapeados por sistemas de computação cognitiva.

Por falar em médico, antes quando alguém tinha dores nas costas, procurava um clínico geral; depois passaram a procurar um ortopedista; este era auxiliado por um fisioterapeuta; hoje quando a gente liga para uma clínica de ortopedia e solicita uma consulta, a atendente, um tanto preocupada, pergunta em  que ponto do corpo é a nossa dor, pois a ortopedia está ultraespecializada, e os profissionais só atendem por subáreas de especialização: ortopedia do ombro, da cervical, da vertebral, dos joelhos…

E o Futuro?

Aí eu volto pasmado para a caminhada do início do texto e lembro da caixa de engraxate; e me pergunto: onde está a pessoa que abandonou a própria ferramenta de trabalho? Como lidar com as permanentes transformações do mundo do trabalho? Que caminhos devemos trilhar para dar significado de vida a essa gente que viu a profissão se esvair no mercado do negócio e da mudança?

Voltei para casa, peguei escova e pasta de sapato e lustrei o velho e bom calçado, pensando no que permanece nas coisas que faço e o que terei de mudar para viver e sobreviver no mercado de trabalho.

Palavras e Imagens

Uma coisa é escrever sobre a necessidade de conhecer o mundo dos infográficos, outra é termos acesso a essa forma de produzir cultura no mundo atual. Pensando nisto, trouxemos como reflexão de hoje um comentário sobre o livro Infografia História e Projeto – Origens, conceitos, processos de design que modificou a forma da mídia mais tradicional da História.

A obra é de Ary Moraes, design especializado em infografia,  que nos apresenta um livro didático e de comunicação acessível a quem é leigo na área.

No texto encontramos um breve histórico da infografia, com relato dos primórdios dessa abordagem de comunicação nos nossos jornais dos séculos XIX e XX, até chegar à recriação dos jornais em formatos bem mais visuais que temos hoje.

Há também um apanhado sobre a prática da infografia, com descrição do processo de trabalho para se chegar à articulação entre escrita e imagem. Nesta parte do livro dá vontade de pegar papel, caneta e régua e construir um esboço de alguma ideia que passa por nossa cabeça.

Além de tudo isto, Moraes selecionou peças históricas, que nos ajuda a entender o processo de criação dos infográficos no Brasil. Excelente.

Para o final, Infografia História e Projeto traz uma reflexão sobre a atividade no Brasil e no mundo, buscando levar o leitor a pensar esse projeto de trabalho inserido no contexto da vida contemporânea.

O que poderia ser melhorado na obra? Bem que o livro poderia ter sido confeccionado em papel de melhor qualidade, pois os infográficos escolhidos possuem muitos detalhes, o que necessitaria de fotos mais nítidas. A obra também poderia ser colorida para o leitor ter noção da gama de possibilidade que um infográfico pode propiciar.
Caso não fosse possível fazer as modificações acima, o acervo de imagens poderia ser disponibilizado na WEB; assim os leitores aprenderiam mais com a diversidade de exemplares trazidos no livro.

Apesar de a escrita ser voltada para as pessoas que têm vínculo com a área de comunicação, em especial as da área de jornalismo, seria pertinente que os educadores dialogassem com o assunto, pois precisamos dar conta (em sala de aula e nos ambientes virtuais de aprendizagem) das mensagens multimodais criadas pelos homens, para assim favorecermos aprendizagens mais significativas.

O que eu li? Infografia História e Projeto
De quem é o texto? Ary Moraes
Quando o texto foi escrito? 2013
Quem editou o texto? Blucher
O que achei do texto? Excelente

Até a próxima!