Uma viagem para Pasárgada

Pasárgada
Pasárgada

Toda manhã um pássaro vem me visitar. Para sobre as grades da janela e me observa enquanto estou lendo ou escrevendo na varanda. Depois ele começa a cantar lindamente me deixando tão emotivo com aquele som.

Dias desses gravei o canto do passarinho e pus-me a ouvir de vez em quando aquele som harmonioso. Depois tive a ousadia de reproduzir a gravação quando o passarinho estava na janela me visitando. O bicho se assustou e saiu desesperadamente para outro lugar. Eu pensava que ele iria se encantar em ouvir o próprio som, mas o bichinho estranhou aquele tipo de manifestação. Pois é, a gente está aprendendo sempre!
Por falar em pássaros e relação com a natureza, Dira Paes estreou como diretora no filme Pasárgada, uma narrativa muito bela e triste ao mesmo tempo. Assisti ao filme pela manhã e fui muito influenciado pela trilha sonora da narrativa cinematográfica.
Engraçado, eu tive um sentimento parecido com o do passarinho nos momentos do filme em que havia sons dos pássaros. De repente apareceu um mal-estar, uma vontade de não ouvir mais nada. Acho que estou ficando tão acostumado com os sons dos carros, da geladeira e da retroescavadeira com esses ruídos estridentes, invadindo minha cabeça, que os sons da natureza estão interferindo na forma de eu existir no mundo, como se eu estivesse em reflexão profunda sobre o destino de nós humanos em meio a essa face de destruição da natureza a que estamos expostos. Ao sair do cinema percebi o quanto nos acostumamos tanto com os sons artificiais e o quanto precisamos nos reeducar para compreender os sons da natureza.
Pasárgada conta a história de uma pesquisadora da área biológica que vive dividida entre contemplar a natureza e servir ao Capital, e o leitor bem sabe que evito falar do conteúdo do que assisto, pois o que interessa aqui são as formas como a história me tocou.
Os sons que me incomodaram no filme vinham de todos os lados: desde a labareda formada na fogueira, passando pelos cantos dos pássaros, indo até os movimentos dos rios e dos sons que atravessavam o ar e rasgavam em golpes certeiros as barreiras das águas, uma verdadeira sinfonia, formada por sons que não nos acostumamos mais a ouvir.
Pasárgada foi uma viagem especial e me fez olhar novamente para as formas como hoje me relaciono com as coisas do mundo natural e do mundo artificial. Será que ainda há mundo natural?
Até a próxima!

O que é? Pasárgada (filme)

Quem dirigiu? Dira Paes

Quem atuou? Entre outros, Dira Paes e Humberto Carrão

De quem é o roteiro? Dira Paes


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O pensamento faz bem – Milton Santos

Pensar faz bem!
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Boas reflexões!

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De volta para o futuro: a experiência de educação que transformou minha vida

Sesi Retiro - Escola Reitor Miguel Calmon
Sesi Retiro – Escola Reitor Miguel Calmon


Depois de mais de 45 anos, voltei à Escola Reitor Miguel Calmon, do Sesi Retiro, Salvador, Bahia.

Até a próxima!

Os sentimentos afloraram quando entrei no prédio, todo transformado, a cada passo tentava identificar onde era a biblioteca, como era o salão do recreio, o tamanho do auditório e o formato das salas de aula. Eu era um todo de nostalgia, pois estudar na Reitor Miguel Calmon mudou a minha vida, a forma de eu pensar o presente na época e os rumos que eu planejei para o futuro.

O Sesi Retiro era um tipo de complexo socioeducacional onde era possível as crianças estudarem e ainda cuidarem da saúde e do lazer. Imaginem os leitores que em pleno 1970, havia uma escola na periferia de Salvador onde os filhos dos trabalhadores da indústria e uns poucos pequenos cidadãos da periferia podiam se educar sob uma proteção social pungente? 

Pois é, o Sesi Retiro era assim. Além das tradicionais aulas de Língua Portuguesa, Matemática, Estudos Sociais (História e Geografia), Educação Moral e Cívica, nós tínhamos contato com áreas do saber como Educação Física, com prática cotidiana de esportes como futebol, volibol, handbol e basquetebol. Era tudo muito intenso. Em Artes, nós tíanhamos acesso a um laboratório de artes plásticas, onde podíamos experimentar a transformação de diversos objetos, dando-lhes formas estéticas variadas. Tínhamos também aulas de teatro, com vivências significativas, como a construção da peça Os Saltimbancos, de Chico Buarque, e uma peça criada a partir do zero sobre a Guerra de Secessão, ocorrida nos Estados Unidos. No Sesi Retiro, os professores sabiam transitar entre uma área do saber e outra e estavam sempre trocando experiências uns com os outros, contribuindo assim para a nossa formação.

Havia no Sesi um laboratório para uma disciplina chamada Educação para o lar, onde aprendíamos a decifrar a complexidade do trabalho doméstico. Com aquelas experimentações domésticas fui diminuindo minhas atitudes machistas e compreendo o quanto era necessário aprender e ajudar nas tarefas de casa. Foi em Educação para o lar que aprendi a cozinhar um pouco, o que era reforçado em casa com as interações com a minha mãe, que sempre defendeu que homem tem de ir para a cozinha e banheiro: homem tem de estar em casa ajudando na construção da família. Realizei atividades estéticas de cuidar do cabelo das pessoas e higienizar e ornamentar unhas, uma verdadeira revolução de meus valores como pessoa.

Outra experiência significativa foi com Técnicas Industriais, uma disciplina em que os estudantes aprendiam noções sobre atividades relacionadas ao setor industrial. Em Técnicas Industriais fomos desafiados a encadernar várias revistas que estavam na biblioteca. Passamos uns seis meses trabalhando e depois que a atividade foi concluída, passei a visitar mais a biblioteca para me deliciar com aqueles livros construídos a partir de revistas. Nas visitas à biblioteca me sentia um artesão, um criador daqueles livros: eita tempo bom!

Além de Educação para o lar e Técnicas Industriais, tive aulas de Técnicas Comerciais, onde aprendíamos os fundamentos da administração, da contabilidade e das técnicas de comércio. A vivência em Técnicas Comerciais me levou a fazer o curso, em nível do ensino médio, de Técnico em Contabilidade, que me levou a trabalhar na área por um ano, passar em concurso público em uma empresa estatal federal da área financeira e ainda aprender a cuidar das minhas finanças: uma aprendizagem para a vida toda.

A Reitor Calmon realizou festivais de músicas com a presença da comunidade e concursos literários, que revelaram muitas pessoas com veias artísticas dentro da escola.

Pensa que terminou? No Sesi fiz tratamento dentário, tomei vacinas e tive atendimento médico básico de saúde, fui conhecer o ambiente de empresas e participei de simpósios e seminário sobre profissões.

Havia no Sesi um sistema de alimentação robusto, que as crianças adoravam e era muito gostoso provar dos quitutes feitos pelas cozinheiras daquele lugar.

Por fim, havia um sistema de auxílio socioemocional ao estudante, com participação de pedagogos e psicólogos, que acompanhava a criançada, tanto com reflexões sobre o nosso processo de existir, quanto com atividades para que pudéssemos planejar os rumos que iríamos tomar em relação ao nosso futuro.

Entrei na Escola Reitor Miguel Calmon em 1971 e saí em 1978: oito anos de vivências significativas, com os colegas, com os professores e com todos os entes (cozinheiros, vigilantes, pessoal de limpeza, pessoal da administração, profissionais de saúde) que compunham aquele sistema com S maiúsculo.

Nas quatro horas que ali fiquei no último dia 23 de agosto de 2023, todas essas memórias vieram ao meu encontro, todas elas em forma de afetos, afetos de alegrias, afetos de agradecimentos.

De volta para o futuro, ao olhar para aquele menino pobre, preto e periférico de 1971, e para o que me tornei hoje, 2024, percebo o quanto a educação no Sesi Retiro transformou a minha vida. 

Obrigado, Vida, obrigado, Sesi!

Até a próxima!

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O pensamento faz bem com Evgeny Morozov

Pensar faz bem!
Pensar faz bem Evgeny Morozov

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Boas reflexões!

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Algumas reflexões sobre a inteligência brasileira

IA Brasileira
IA Brasileira

No último dia 22 de agosto de 2024, publiquei no jornal Le Monde Diplomatique Brasil o artigo Por um projeto de tecnologia brasileira, onde fiz algumas reflexões sobre a construção de um projeto de construção tecnológica a partir dos modos de existir dos brasileiros.

No artigo fiz um breviário do processo histórico da construção da inteligência brasileira, tendo como centro a questão tecnológica, além de tecer alguns comentários sobre o Projeto Brasileiro de Inteligência Artificial, lançado em julho de 2024.

Discutir a questão da inteligência brasileira é fundamental, ainda mais em um tempo em que os processos de discussão sobre o desenvolvimento técnico e social das nações ficam cada vez mais circunscritos ao pensamento único de algumas nações localizadas no Ocidente.

A  leitura de Por um projeto de tecnologia brasileira será bem-vinda, inclusive com os comentários, caso os leitores assim ache pertinente, pois não é mais possível interagirmos com as tecnologias na função de simples consumidores.

Até a próxima!

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Outras informações

  • O que é? Artigo Por um projeto de tecnologia brasileira
  • Quem escreveu?  Cleonilton Souza
  • Onde foi publicado? No jornal Le Diplomatique Brasil
  • Quando foi isso? Em agosto de 2024

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O pensamento faz bem com Yuk Hui

Pensar faz bem!
Pensar faz bem Yuk Hui

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Boas reflexões!

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