Outras histórias sobre o Brasil

Malês
Malês [filme]

Há cerca de 35 anos tive a oportunidade de ler Rebelião escrava no Brasil (1983), do cientista social João José Reis. A obra foi fundamental na minha vida de leitor, pois trazia levantamentos históricos sobre a insurreição de descendentes de africanos que eram escravizados no Brasil do século XIX.

Nunca tinha lido algo parecido sobre a história dos afrodescendentes no Brasil e a minha visão antes trazia a impressão de heroísmo de personagens como  princesa Isabel, uma suposta líder para a libertação dos escravizados na época. Também era confusa a minha visão sobre personalidades da história do Brasil como Domingos Jorge Velho, que nos livros didáticos de História parecia ser mais um herói do que um algoz da nossa historiografia.

Foi com os achados históricos do também professor João José Reis que busquei mais informações sobre História e fui, aos poucos, conhecendo a jornada contra a escravização e colonização que foi traçada por personagens negros durante a história da humanidade.

Daquela leitura veio a curiosidade de ler Palmares: Guerra dos Escravos, de Décio Freitas. De Freitas, passei à leitura de Spartacus, de Howard Fast (1959), continuando com Escrevo o que quero, de Steve Biko (1988), Cartas da prisão (1977) e Das Catatumbas (1978), de Frei Betto, e Lamarca, o capitão da guerrilha, de Emiliano José e Oldack Miranda (1985), todas estas leituras fundamentais para compreender melhor como são construídos os modos de opressão nas sociabilidades humanas.

E há poucos dias tive a oportunidade de assistir ao filme Malês, de Antônio Pitanga, uma obra que objetiva resgatar fatos históricos, que de alguma forma, não foram bem discutidos dentro do espaço escolar durante muitos anos, inclusive, por falta de documentação histórica para fundamentar os debates sobre o assunto.

Malês tem como uma das referências históricas principais o conjunto de pesquisa realizado pelo cientista social João José Reis, o que torna o filme não só um documento para diversão e fruição, mas se converte como elemento de rediscussão sobre a História do Brasil.

Pitanga e equipe buscaram ser mais fiéis possível às formas de sociabilidades vigentes na época, procurando retratar a cultura do Brasil escravocrata do século XIX a partir de elementos como a linguagem utilizada na época, a forma de se vestir das pessoas e os modos como as relações sociais aconteciam: uma surpreendente aula de história do Brasil fora do ambiente escolar e acadêmico.

Malês se desloca da academia para a sociedade, via construto artístico de forma singular, configurando-se como um jeito diferente de recontar a história dos afrodescendentes no Brasil.

Até a próxima!

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Pensar faz bem com Arlindo Machado 2

Pensar faz bem com Arlindo Machado 2
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Os irmãos multimodais

Os irmãos multimodais
Os irmãos multimodais

A Bahia possui um legado de interseções artísticas marcadas por amizades e fraternidades, como é o caso de Antônio Carlos e Jocafi e Os Doces Bárbaros (Gil, Bethânia, Gal e Caetano).

De forma mais abrangente há os afetos entre artistas baianos e não baianos, como entre Os Tribalistas (Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown) e os Novos Baianos (Baby do Brasil, Paulinho Boca de Cantor, Pepeu Gomes, Jorginho Gomes e  Didi Gomes (e ainda os ex-integrantes Luiz Galvão, Moraes Moreira, Dadi Carvalho, Baxinho, Bola Morais, Odair Cabeça de Poeta, Charles Negrita). E olha que os Novos Baianos eram filhos de João Gilberto e, no mínimo, primos dos Doces Bárbaros.

Os Novos Baianos ainda deram crias como a banda A Cor do Som (Mu Carvalho, Dadi Carvalho, Armandinho, Ary Dias, Gustavo Schroeter ( e os ex-integrantes Victor Biglione, Perinho Santana, Jorginho Gomes e Didi Gomes): é um legado atrás do outro, tal qual as pessoas quando estão atrás de um trio elétrico.

Os artistas acima criam um caldeirão de criatividade e não há como enquadrar essas irmandades em algum ritmo musical, tal a diversidade artística que foi gerada por esses pensadores da cultura brasileira.

É preciso lembrar de uma irmandade artística muito peculiar em relação aos registros mencionados acima. Trata-se dos três obás de Xangô: Jorge Amado, Dorival Caymmi e Carybé. Estes trazem na irmandade uma pitada a mais de pimenta para melhorar um tempero criativo que atravessava as barreiras do visual, do escrito e do auditivo.

Explico-me melhor: os três mestres da cultura afro-baiana criaram um acervo artístico reconhecido mundialmente e ainda se ressignificaram ao criar entre si laços de amizade alicerçados em cooperação, carinho e muito amor.

E são as tais ressignificações que o leitor poderá apreciar ao assistir 3 obás de Xangô, com direção de Sérgio Machado, um documentário que mistura as belíssimas imagens de Carybé, com o cancioneiro de Dorival Caymmi e a poética da escrita de Jorge Amado.

Quando observo uma imagem feita por Carybé, escuto os sussurros da voz de Caymmi cantarolando  sem parar e invade em mim a poética de Jorge Amado, como se estivesse descrevendo aquelas imagens em forma de narrativas. 

Os três obás de Xangô eram unidos por diversos símbolos, como a labuta do ser artista, a busca pela transcendência e o compromisso com a gente do povo. Isto tudo fortaleceu o senso de amizade entre eles, o que resultou em um conjunto de artes multimodais formado pelas letras de Amado, a voz de Caymmi e as imagens de Carybé. É ver, ouvir e ler para crer.

Até a próxima!

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Pensar faz bem com Dorival Caymmi

Retirantes (Vida de Negro)
Pensar faz bem com Dorival Caymmi

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Lazzo Matumbi – o artista da multiplicidade

Lazzo Matumbi - o artista da multiplicidade
Lazzo Matumbi – o artista da multiplicidade

Não tive a oportunidade de ver Lazzo Matumbi arrastar o Ilê Aiyê no final dos anos 1970, uma pena. Conhecia Lazzo por meio dos comentários que eu ouvia aqui e ali. Foi com a música Do jeito que seu nego gosta, que iniciei a jornada de aprendizagem sobre a concepção musical do artista soteropolitano, um cantor de música afro-brasileira que intersecciona samba de roda, samba duro, samba-canção, afoxé, reggae, samba-reggae e por aí vai…

O grande ápice do meu encontro com a musicalidade de Lazzo foi em um dia de carnaval na Bahia. Lazzo desfilava na Avenida Sete, em Salvador, cantando samba-afro, reggae e samba de roda. Já contei esta história antes: eu estava na praça São Bento, junto da igreja de mesmo nome, quando o trio elétrico com Lazzo surgiu. Os foliões estavam quase parados, pois já havia passado da meia noite e aquela gente parecia muito exausta de tanto dançar prazerosamente.

De repente, um rapaz franzino, saiu correndo para o canto da avenida, pegou duas folhas enormes de coqueiro, adereço muito usado para enfeitar os carros alegóricos na época, e iniciou um balé afro muito bem sincronizado.

As pessoas atônitas já pensavam em correr, pensando que um tumulto iria iniciar, foi quando o dançarino abriu uma roda e começou a fazer movimentos refinados tal qual os pássaros fazem quando começam a voar. Os foliões não sabiam se dançavam reggae, samba de roda ou samba-afro, tal era a facilidade com que Lazzo desfilava de um ritmo para outro.

Em frente ao pequeno largo do São Bento, a terra tremeu em regozijo de paz e harmonia. Ali foi uma experiência fundamental para entender o quanto diversa era a música da Bahia na época.

Foi pelo menos uma hora de música e dança atrás do trio elétrico. Lazzo não sabia somente puxar a galera de bloco afro, também sabia puxar a multidão que vai atrás do trio elétrico. Foi a primeira vez que presenciei um cantor negro em cima de um trio, cantando música afro, fazendo as pessoas pensarem, dançarem e cantarem: momento mágico mesmo.

A partir daquele dia passei a ouvir com mais atenção o cantor e hoje quando ouço algum álbum de Lazzo, lembro daquele momento tão peculiar. Isto foi lá na década de 1980, e eu não lembro nem o dia e nem o ano. Só sei que vivi.

Ainda sobre Lazzo, na segunda-feira do dia primeiro de setembro deste ano, a TV Educativa da Bahia (TVE) transmitiu a nova temporada do TVE Entrevista, tendo como entrevistador o jornalista Bob Fernandes e como primeiro entrevistado Lazzo Matumbi.

A entrevista foi um registro de parte da história da Bahia dos anos 1970-2020, com Lazzo falando de forma desinibida sobre música e questões sociais. Lazzo está sempre com sorriso aberto, mas isto não o impede de tocar em fatos da recente história da Bahia e explicitar momentos de construção de desigualdades de toda ordem (social, racial, econômica, educacional etc.), narrativa feita a partir de fatos ocorridos na própria história de vida do artista.

No final da entrevista, Lazzo declama em forma de cantoria e ladainha a letra da música 14 de maio, uma obra de arte que contrapõe o senso comum de que música na Bahia se presta mais a remelexos e rebolados.

Ficamos por aqui e até a próxima!

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Pensar faz bem com Jorge Portugal e Lazzo Matumbi

Pensar faz bem com Jorge Portugal e Lazzo Matumbi
Pensar faz bem com Jorge Portugal e Lazzo Matumbi

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