A TV digital e os desafios da educação brasileira

A TV digital e os desafios da educação brasileira

O ano de 2022 será de desafios para a educação brasileira, ocasionados pelas instabilidades advindas da pandemia do coronavírus e do processo de recessão econômica pelo qual estamos passando.

A TV digital poderia ser uma das infraestruturas técnicas para ajudar o país a oferecer educação de qualidade para os brasileiros, mas essa infraestrutura ainda é precária, principalmente nos  pequenos municípios do país. Segundo o Ministério das Comunicações, 4.191 municípios ainda não concluíram a migração para o sinal digital e 1.638 municípios contam apenas com o sinal analógico. A meta do governo federal é de que todas as regiões brasileiras tenham acesso à TV digital até 2023. Resultado: mesmo que a união, estados e municípios ofereçam atividades educacionais pela televisão durante o ano de 2022, uma parcela significativa da população brasileira ainda estará sem acesso aos serviços da TV digital. 

A TV digital não é somente imagem e som de qualidade superior à TV analógica; o diferencial dessa tecnologia é, potencialmente, proporcionar interatividade, ou seja, quem transmite e quem recepciona os conteúdos podem interagir na produção de uma comunicação dialógica. Aqui no Brasil o sistema de TV digital (público e privado) atua na comunicação discursiva, caracterizada pela transmissão de conteúdos de um para diversos assistirem; e uma educação para o terceiro milênio precisa ser construída com base em meios tecnológicos com condições de estabelecer comunicação para o diálogo entre quem produz e quem recepciona conteúdos.

Projetos brasileiros para estruturação de TV digital aberta e interativa, como o Ginga, foram sendo deixados para trás, dando lugar a versões proprietárias de TV digital, cujos recursos técnicos como realização de operações bancárias e envio de mensagens para o canal de TV enquanto se está assistindo, por exemplo, não são acessíveis. Sem interatividade na TV digital quem perde é o cidadão. 

Na Bahia, durante a pandemia do coronavírus, houve a iniciativa do governo estadual de oferecer um canal digital dedicado à educação, mas o sinal da TV educativa ainda não alcança todos os municípios do estado, que hoje conta com os 27 territórios de identidade recebendo o sinal da TVE Bahia, porém 119 municípios baianos só terão acesso pleno ao sinal digital em 2023. Já a Prefeitura Municipal de Salvador utilizou dois canais de uma empresa privada de TV aberta, mediante pagamento de aluguel. 

Ainda há muito que caminhar! E espera-se que o Estado brasileiro responda a esses problemas com ações que favoreçam o desenvolvimento econômico, social e educacional do país.

Observação: texto foi publicado originalmente no jornal A tarde, formato impresso, em 19 de janeiro de 2022.

Até a próxima!


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Pensar faz bem – Raymond Williams

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É preciso falar sobre a morte

É preciso falar sobre a morte
Paulo Freire – 100 anos

Um dos assuntos que mais tenho dificuldade de conversar é sobre a morte, pois considero isto uma questão um tanto desconhecida pela humanidade e ainda não encontrei explicações plausíveis sobre esse tema tão premente.

Mas a morte não é um assunto estranho à minha existência, pois passei a infância em uma comunidade em que o morrer fazia parte do cotidiano, e os adultos não se intimidavam de falar do assunto na frente das crianças.

Cresci ouvindo histórias de almas peladas, maus espíritos, anjos e demônios. Ao mesmo tempo que morria de medo daquelas histórias, tinha uma grande curiosidade pelo assunto.

Naqueles dias, percebia que as pessoas tinham muito respeito pela morte, o que se refletia nos costumes daquela gente. Por exemplo, se uma pessoa morresse, o cônjuge ficava um bom tempo de luto, usava preto e demonstrava para as outras pessoas um ar de tristeza, de desilusão e abatimento. As crianças iam para a escola de preto ou usavam uma tarja preta na camisa durante meses. O inimigo do morto mudava de postura e passava a ter mais respeito pela família do falecido, salvo algumas exceções, é claro. Se alguém estava com uma doença terminal, a tristeza invadia a casa do doente, e a preocupação com a morte era o que prevalecia.

No dia 2 de novembro, era um silêncio no bairro, e as emissoras de rádio só tocavam músicas instrumentais lacônicas, muito triste mesmo. Da mesma forma acontecia na sexta-feira santa, quando o luto por Jesus Cristo era a diretriz das relações sociais do pessoal que tinha vínculo com a igreja Católica.

Bem, os hábitos não são mais os aqui relatados. Hoje a gente nem lembra mais da morte nos dias santos e já testemunhei muitas situações controversas no caso de falecimento de alguém. Dias desses ocorreu de duas pessoas estarem discutindo, quando uma delas, bastante irritada, começou a debochar de um familiar do desafeto que estava hospitalizado em situação terminal. Na internet, vez por outra, leio textos de pessoas xingando pessoas mortas, irritadas com o que elas fizeram na vida. Pois é, reina o discurso de ódio.

A política mais eficaz para ganhar votos é a necropolítica, ou seja, desejar o mal do adversário até chegar à morte é a nova ordem do dia.

Mesmo sabendo que os rios, os mares e as plantas morrem, cada vez mais cultivamos a destruição do mundo que nos rodeia e nos acolhe. A pulsão de morte se tornou a nova ordem das relações humanas, e o humano se dirige ao mundo com o gesto pulsante da destruição.

Olhando para o advento da pandemia, o culto à morte ronda o viver cotidiano: aglomeração, não uso de máscaras e desrespeito ao distanciamento social são os gestos mais valorizados.

Com tudo isto, é preciso falar sobre a morte, é preciso discuti-la e conhecê-la um pouco mais, afinal de contas, cultuamos a morte todo dia, toda hora e nos furtamos de falar sobre o assunto quando é preciso.

Até a próxima!


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O sentido de cooperação e o mundo do empreendedorismo

Empreender e cooperar

Já discutimos a questão do empreendedorismo duas vezes aqui no EPraxe, mas será preciso voltar ao tema novamente. 

O empreendedorismo se tornou uma dimensão hegemônica na sociedade.  Falar mal do empreendedorismo é pecado, e a solução empreendedora se transformou na fórmula milagrosa de resolver todos os problemas da esfera humana.

As palavras trabalhador e cooperação foram expulsas do vocabulário popular e todo ser vivente tem obrigação de ser um empreendedor. 

Outro dia fui a um posto de gasolina e conversava com o frentista, quando ele me informou que iria sair da empresa para trabalhar para ser autônomo, Perguntei sobre o porquê da decisão e ele me respondeu que os amigos dele ganhavam até 5 mil reais por mês como camelô, enquanto ele só recebia um salário mínimo. Argumentei sobre os direitos sociais que ele tinha como empregado, mas ele estava firme no propósito de sair do emprego. No final perguntei a ele como sobreviveria se ficasse mais de um mês doente, na condição de empreendedor. Ele me olhou assustado, mas disse que arriscaria assim mesmo. O momento desta conversa foi uns 15 dias antes do início do isolamento social ocasionado pela pandemia do coronavírus. Se o leitor me perguntar qual o destino do rapaz, não sei responder. 

Em uma viagem a Recife me deparei com um empreendedor de carros alugados. Ele usava o próprio carro em prestações de serviços por plataformas digitais e ainda alugava outros dois carros. Perguntei se aquilo era lucrativo e ele respondeu feliz que era o melhor dos mundos. Questionei sobre a precariedade que os serviços de plataforma provocavam,  mas ele não via nenhum problema na situação. Perguntei como ele agia quando um dos inquilinos não estava trabalhando por motivo de doença e ele, com um certo ar de irritação, respondeu que fazia parte do negócio. Ficamos em silêncio até o final do percurso. Na saída ele agradeceu com aquela boa técnica comunicacional que os empreendedores desenvolvem. 

O que aprendi com as duas experiências é que os homens e as mulheres, que antes se percebiam como trabalhadores e trabalhadoras, se identificam cada vez mais com o empreendedorismo, até mesmo entidades de ajuda a pessoas em situação de vulnerabilidade social incentivam o caminho do empreendedorismo.  E mais: os trabalhadores empregados hoje são chamados de colaboradores, uma caricatura do empreendedorismo que detesta relação estável entre empregadores e trabalhadores.

O leitor já percebeu que cada vez mais não encontramos cooperativas? 

A ideia de cooperação foi apropriada pelas plataformas digitais, umas intermediárias comerciais, em que o empreendedorismo vem camuflado dentro da ideia de cooperação, mas que no fundo é uma forma de atravessamento econômico para a exploração do trabalhador e beneficiamento das grandes transnacionais do capital.

O empreendedorismo é uma metonímia que hoje é utilizado como se fosse a única saída possível para as pessoas que desejam trabalhar, e precisamos estar atentos a essa ordem do capital.

Até a próxima!


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Pensar faz bem – Conceição Evaristo

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